Aos 79 anos, Caetano Veloso segue produzindo novos discos e fazendo shows com uma impressionante regularidade. Nesta sexta-feira, 17, logo após uma turnê pela Europa, ele divulgou a inédita Anjos Tronchos, o primeiro single de seu novo álbum, intitulado Meu Coco, previsto para outubro. O novo disco, com algumas faixas compostas durante a quarentena, sairá quase dez anos após o último de inéditas, Abraçaço. Mas Caetano não ficou parado neste período. Ano passado, por exemplo, ele lançou uma coletânea com regravações de seus principais sucessos, gravados em parceria com clarinetista Ivan Sacerdote, e fez algumas concorridíssimas lives no YouTube.
Mas os fãs acostumados a ver Caetano de pijamas e comendo bananas no sofá de casa durante a pandemia vão se surpreender com a letra de Anjos Tronchos. O jeitão meio desligado que o compositor demonstrou durante a quarentena, com fotos postadas por sua mulher, Paula Lavigne, aparentemente ficou só nisso mesmo. No mundo real, Caetano continua sendo um observador crítico e certeiro do que acontece no Brasil e no mundo.
Na nova música, ele fala sobre globalização, tecnologia e algoritmos, cita Billie Eilish e alfineta Bolsonaro (sem citá-lo nominalmente). É, enfim, como ele disse em suas redes sociais, um passeio pelo Vale do Silício. Em um trecho da música, por exemplo, ele canta: “Agora a minha história é um denso algoritmo/ Que vende venda a vendedores reais/ Neurônios meus ganharam novo outro ritmo/ E mais e mais e mais e mais”.
Tal como um caleidoscópio que ilustra a capa do single, a letra viaja por vários temas, tendo a tecnologia como fio condutor das mudanças da sociedade. Ele chama de anjos tronchos os magnatas do Vale do Silício e aponta que “palhaços líderes brotaram macabros” nas redes sociais. Por outro lado, ele menciona como positivo o surgimento da Primavera Árabe e a nova geração de artistas: “Miss Eilish faz tudo no quarto com o irmão”, diz ele em referência a Billie Eilish, que gravou seu primeiro disco no quarto da casa dos pais.
Em suas redes sociais, o cantor falou sobre a música: “Anjos Tronchos é uma canção que terminou ficando extremamente densa. Vivemos hoje mergulhados num mar de algoritmos, possibilidades diversas de redes sociais e aparatos tecnológicos que avançam muito depressa. Eu não tenho tanto domínio sobre o assunto, mas acredito que canções são capazes de obter reflexões na mente de quem as ouve”. Com a nova música, Caetano prova que, aos 79 anos, de troncho, ele não tem nada.
Confira a letra de Anjos Tronchos
Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Desses que vivem no escuro em plena luz
Disseram: vai ser virtuoso no vício
Das telas dos azuis mais do que azuis
Agora a minha história é um denso algoritmo
Que vende venda a vendedores reais
Neurônios meus ganharam novo outro ritmo
E mais e mais e mais e mais e mais
Primavera Árabe – e logo o horror
Querer que o mundo acabe-se
Sombras do amor
Palhaços líderes brotaram macabros
No império e nos seus vastos quintais
Ao que revêm impérios já milenares
Munidos de controles totais
Anjos já mi ou bi ou trilionários
Comandam só seus mi, bi, trilhões
E nós, quando não somos otários
Ouvimos Shoenberg, Webern, Cage, canções…
Ah, morena bela Estás aqui
Sem pele, tela a tela
Estamos aí
Um post vil poderá matar
Que é que pode ser salvação?
Que nuvem, se nem espaço há
Nem tempo, nem sim nem não
Sim: nem não
Mas há poemas como jamais
Ou como algum poeta sonhou
Nos tempos em que havia tempos atrás
E eu vou, por que não?
Eu vou, por que não? Eu vou
Uns anjos tronchos do Vale do Silício
Tocaram fundo o minimíssimo grão
E enquanto nós nos perguntamos do início
Miss Eilish faz tudo o quarto com o irmão