Em julho, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau fez uma publicação inusitada nas redes sociais. Endereçada à Taylor Swift, a mensagem dizia: “Oi, sou eu. Eu sei de alguns lugares no Canadá que adorariam ter você”. A frase engraçadinha, com trocadilhos de trechos de músicas da cantora americana, tinha um objetivo óbvio: Trudeau queria a turnê de Taylor, a The Eras, em solo canadense. O pedido deu certo e o país receberá a loira em 2024. Mesma sorte não teve o presidente chileno Gabriel Boric, que afirmou ter escrito diretamente a Taylor pedindo, sem sucesso, que ela adicionasse o país ao seu itinerário. Os dois políticos não estão sozinhos nessa paparicação. Nos locais por onde passou, Taylor foi recebida com pompa de chefe de Estado: em Glendale, no Arizona, a cidade foi renomeada temporariamente como Swift City; na Argentina, o parlamento deu a ela o título de convidada de honra. No Brasil, onde fará seis shows, o primeiro nesta sexta-feira, 17, no Rio de Janeiro, o prefeito carioca Eduardo Paes abraçou uma campanha dos fãs para projetar uma homenagem à Taylor no Cristo Redentor. Tamanha comoção, vale dizer, nada tem a ver com o gosto musical dos políticos. Todos estão de olho na capacidade da superestrela de movimentar a economia por onde ela passa, gerando dividendos impressionantes para uma cadeia de negócios que vai muito além das bilheterias dos estádios.
1989 (Taylor’s Version) – Disco de Vinil
Na estrada desde março, a turnê que começou nos Estados Unidos, seguido por México e América Latina — e com datas marcadas na Europa e na Ásia —, deve se tornar a primeira a registrar arrecadação bilionária: a projeção é de 2,2 bilhões de dólares, contra 887 milhões de Elton John, atual dono da turnê mais rentável da história. Nos Estados Unidos, estima-se que os 53 shows do giro movimentaram 4,6 bilhões de dólares (veja o quadro). Na Filadélfia o “efeito Swift” mostrou-se tão significativo que o banco central americano atribuiu à turnê a recuperação da hotelaria local. Na Califórnia, os 320 milhões de dólares arrebanhados pela turnê devem gerar até 3 300 vagas de emprego. “Se Taylor Swift fosse uma economia, seria maior que a de cinquenta países”, atestou Dan Fleetwood, presidente da empresa de dados QuestionPro.
Agora, tamanho poderio lucrativo se volta para a América do Sul (ufa!), onde mais de 560 000 ingressos foram vendidos para nove shows: três na Argentina e seis no Brasil, entre São Paulo e Rio de Janeiro, com ingressos esgotados há cinco meses. Também não há vagas nos hotéis localizados nos arredores dos estádios. A primeira parada no continente, Buenos Aires, foi acompanhada pela reportagem de VEJA. Aconteceu ali um fenômeno raro: a crise econômica tornou o país um destino atraente para fãs de outras nações, entre eles americanos que não conseguiram comprar os disputados tíquetes nos Estados Unidos — e acabaram privilegiados pelo favorável câmbio argentino. Foi o caso de Natan, 47 anos, e a filha Ruthie, de 16, que viajaram da Flórida para Buenos Aires na semana passada. Vestindo uma camisa com a expressão “Swiftie Dad” (pai de swiftie — nome pelo qual atendem os fãs da cantora), o americano contou que os dois pagaram 300 dólares em cada convite para um dos melhores lugares do estádio do River Plate, enquanto nos Estados Unidos, assentos de visão parcial estavam sendo revendidos por 1 000 dólares. “Nunca assistimos ao show dela, vai ser a primeira vez”, disse Ruthie. O mesmo aconteceu com as californianas Sherry, de 52 anos, e Alycia, 26. Na Argentina para o show, mãe e filha estenderam a viagem. “Depois da Taylor Swift o que mais amo é viajar”, disse Alycia. As duas não acharam ingressos por menos de 3 000 dólares onde moram — com o mesmo valor, elas não só bancaram duas entradas como ainda passearam por Buenos Aires. “Shows internacionais se tornaram um fator importante de atração de turistas”, disse a VEJA Lucas Delfino, secretário de Turismo de Buenos Aires.
Com uma estrutura cenográfica de cair o queixo, a qual demanda noventa caminhões para o transporte, e mais de 100 pessoas envolvidas nos bastidores (estrutura comparável a de um espetáculo do Cirque du Soleil), o show com mais três horas é uma maratona em que Taylor dança e toca instrumentos, enquanto troca dezesseis vezes de figurino. “O entusiasmo dos fãs tem sido avassalador”, afirma Francesca Alterio, diretora de marketing da T4F, responsável por trazer a turnê ao país. A cenografia conta com efeitos especiais e inserções à la Broadway em um palco em forma de T que se estende por 75 metros — ocupando a metade do campo de futebol. Há pulseirinhas de LED sincronizadas com as canções e telões de altíssima resolução que interagem com a narrativa do show, a qual passa pelas diferentes eras da vida profissional de Taylor — e, claro, por sua vida pessoal.
Aos 33 anos de idade e com dezessete de carreira, Taylor conquistou uma legião de seguidores fiéis com um tripé de talento, trabalho duro e inteligência para os negócios. Com um pendor para a composição confessional, ela surgiu no country, ainda adolescente, narrando experiências vividas por garotas no ensino médio, como a dor do amor não correspondido e o frio na barriga da primeira paixão — sofrência muitas vezes desencadeada por ex-namorados famosos como Joe Jonas, John Mayer e Harry Styles. Não à toa, uma parcela significativa da sua base de fãs são mulheres que cresceram com ela, compartilhando feridas similares. Com o passar dos anos, e já no pop, as narrativas juvenis ganharam contornos mais maduros: temas como álcool, sexo, problemas conjugais, feminismo e inseguranças profundas sobre o mundo e sobre si mesma marcam presença nos álbuns recentes. A embalagem poética recheada de metáforas faz com que as canções conquistem também muitos pais. Eles incentivam e, muitas vezes, embarcam junto na idolatria.
No show de Buenos Aires, Taylor disse que suas músicas são como um diário pessoal que ela compartilha com os fãs. “Espero que se identifiquem com algumas delas”, disse. Essa coragem para se expor jamais surgiria se o caminho não tivesse sido aberto por artistas, como a americana Carole King, que nos anos 1970 se impôs como uma voz relevante sobre as dores, os desejos e as alegrias das mulheres — como prova a faixa icônica (You Make Me Feel Like) A Natural Woman. Taylor incorporou ainda a atitude empoderada de nomes como Madonna, e, dos anos 1990, abraçou a veia furiosa da canadense Alanis Morissette. “As compositoras da minha geração seriam muito diferentes se não fosse por ela”, derreteu-se Taylor sobre a roqueira.
Com essa dose de atrevimento herdado das antecessoras, a cantora vem desafiando a lógica da indústria fonográfica e chegou a incomodar gigantes da tecnologia. Em 2014, ela tirou todo o seu catálogo musical das plataformas de streaming em protesto contra a baixa remuneração dos artistas, fazendo Apple e Spotify mudarem suas políticas de pagamento para tê-la de volta. Mais recentemente, quando os masters (direitos comerciais) de seus primeiros álbuns foram vendidos à sua revelia, ela passou a regravar todos os trabalhos antigos e a relançá-los sob o selo “Taylor’s Version”. Assim, desvalorizou o catálogo original e despertou preocupação na indústria: grandes gravadoras estão revisando contratos para evitar posturas do tipo.
Tal poder de barganha vem de uma postura sagaz da estrela pop. Ao surfar na necessidade humana de pertencimento, ela forjou desde o início uma relação próxima com os fãs por meio de tradições comparáveis à de uma religião, com direito a festas temáticas e audições íntimas de discos a serem lançados. Outro exemplo é o hábito de colocar mensagens em suas músicas decifráveis apenas pelos fãs mais ardorosos, como referências a eventos que ela viveu. “A linguagem é poderosa e ela tem papel de destaque no trabalho da Taylor”, explica a linguista Cynthia Gordon, da universidade americana de Georgetown. Os rituais estão por toda parte: na turnê, os “swifties” se vestem conforme a estética de cada álbum e trocam “pulseiras da amizade” em referência à letra da canção You’re On Your Own, Kid, rito que fez saltar as buscas pelas miçangas que compõem o acessório em 74% no Mercado Livre.. Nos Estados Unidos, estima-se que os fãs gastaram, em média, 1 300 dólares (mais de 6 000 reais) por apresentação — entre ingressos, roupas e acessórios. Por aqui, surgiram ainda festas temáticas inteiramente dedicadas à cantora. “Ninguém consegue os números dela”, atesta Kaique Brandão, organizador da TS Party, que recentemente arrebanhou 2 000 pessoas para uma balada de Halloween em São Paulo, inspirada, claro, em Taylor Swift.
A influência da loira se estende para outras áreas. Na política, quando abandonou a postura de “isentona” em 2018, criticou Donald Trump e se embrenhou na campanha democrata: um apelo de Taylor para que os fãs se registrassem para votar fez saltar o número de jovens inscritos no sistema eleitoral americano. Fãs argentinos fizeram campanha contra o direitista Javier Milei reivindicando o voto da “comunidade swiftie” no candidato governista Sergio Massa. Por toda Buenos Aires era possível ver pôsteres com os dizeres: “Swiftie não vota em Milei”. Nos cinemas, o filme-concerto da The Eras Tour bateu recorde de bilheteria. Até a audiência da NFL, a liga de futebol americano, subiu depois que a cantora foi ao estádio assistir ao namorado, o jogador Travis Kelce. É a prova de que o poder de Taylor Swift se mostra presente, literalmente, em todos os campos.
Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868
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