Poucos vinhos portugueses têm a mesma fama – e a mesma importância – que o hoje mítico Barca Velha, da Casa Ferreirinha. Produzido originalmente em 1952, foi o primeiro tinto seco produzido no Douro, região conhecida pelo vinho do Porto, pelo então enólogo da vinícola, Fernando Nicolau de Almeida. Desde então, é lançado apenas em safras extraordinárias. Foram só 20 edições do Barca Velha, sendo que a mais recente saiu em 2011. Mas o que acontece com o vinho proveniente dos mesmos vinhedos que dão origem ao Barca Velha quando este não é produzido?
O rótulo seguinte na hierarquia da Casa Ferreirinha é o Reserva Especial, que passa pelo mesmo processo de elaboração que seu irmão mais famoso e cobiçado. Foram apenas 18 edições desde seu lançamento, e a mais recente delas, Reserva Especial 2014, chega agora ao mercado brasileiro. O vinho foi apresentado para jornalistas e especialistas na última semana, e deve chegar às lojas a partir de agosto, pela importadora Zahil, por cerca de R$ 4,5 mil (bem menos que os mais de R$ 7 mil cobrados pelo Barca Velha).
Ambos são feitos com um blend de touriga nacional e touriga francesa (ou franca), que compõem 80% do vinho. Os outros 20% são uma mistura de tinta roriz (ou aragonez, como é conhecida na Espanha) e tinto cão, variedades fundamentais da produção do Douro. Esse vinho passa, então, 12 meses em barricas de carvalho, sendo 75% novas e 25% usadas. Ao final do processo, a bebida é degustada pelo enólogo da Casa Ferreirinha, Luís Sottomayor, que lá trabalha desde 1989. Nesse momento, ele decide se vai engarrafá-lo, com o rótulo Quinta da Leda, ou se vai envelhecê-lo por mais seis meses.
Se for fazer mais um estágio em barricas, o vinho é considerado um Douro Especial, nome que Sottomayor usa para identificar a qualidade superior daquela safra. No fim dos seis meses, ele é provado e, então, cabe ao enólogo a decisão de dizer se aquele vinho será um Barca Velha ou um Reserva Especial. “São gêmeos, com personalidades apenas um pouco diferentes”, afirma Sottomayor. Mesmo assim, a decisão têm um impacto importante nos negócios da Sogrape, grupo responsável pela marca Casa Ferreirinha e por várias outras vinícolas. Escolher um ou outro significa ganhar (ou deixar de ganhar) até um milhão de euros.
No caso específico do Reserva Especial 2014, Sottomayor diz que a decisão foi baseada no perfil de taninos, mais suaves. Para o Barca Velha, eles tendem a ser mais pujantes. Ambos são vinhos de guarda, que chegarão ao auge de seu potencial daqui a duas décadas. Mas o enólogo conta que por conta da tecnologia e do connhecimento que têm hoje, os rótulos estão mais “prontos”, e podem ser degustados agora. “Antes, precisávamos fazer uma extração mais intensa das uvas, e de início o vinho seria muito agressivo. Hoje, não. Ele é intenso, mas tem harmonia e elegância que os torna mais suaves”, afirma.
A Casa Ferreirinha, no entanto, não produz apenas vinhos de altíssima gama. Seu portfólio é extenso e inclui boas opções para quem está começando a beber tintos do Douro ou vem se aprofundando nos rótulos da região. Desde rótulos mais simples, como o Esteva e o Papa Figos, vendidos na faixa entre R$ 100 e R$ 160, passando por outros, de maior complexidade, como o Vinha Grande (cerca de R$ 200) e o Callabriga (R$ 500), até o recente lançamento Castas Escondidas (R$ 1 mil), um blend de diversas variedades menos conhecidas, como Bastardo, Marufo, Tinta Francisca, Touriga-Fêmea e Tinta Amarela, usadas na elaboração de vinhos do Porto, há um pouco de tudo. E o objetivo de Sottomayor é trabalhar para que cada um deles cumpra sua função de acompanhar bem uma refeição. “O vinho, para mim, é como um ser humano, com sensações, com paixões. É preciso dar-lhe alma e vida para que ele mostre tudo isso quando chega à mesa”, conclui.