Instalados em um campo de videiras da centenária Quinta da Pacheca, na margem leste do Rio Douro, em Portugal, os dez barris de madeira que aparecem na foto ao lado não foram feitos para envelhecer vinhos. Na verdade, eles são cômodos de hotel construídos para proporcionar ao visitante uma completa imersão no universo vinícola, mas sem que seja preciso abrir mão do conforto. As suítes espaçosas, dotadas de camas e banheiras generosas, oferecem visão privilegiada das parreiras — as uvas estão praticamente ao alcance das mãos. A localização é outro diferencial: o hotel fica na mais antiga denominação de origem de vinhos do mundo, estabelecida em 1756 pelo Marquês de Pombal. Portanto, a bebida está no centro de tudo o que é feito ali, das acomodações ao lazer, nas 24 horas do dia.
A vinícola Quinta da Pacheca, uma das mais tradicionais de Portugal, é o retrato de uma tendência que ganha adeptos no mundo: o enoturismo de luxo. Ela foi aberta em 1738 na cidade de Lamego e, desde então, consolidou-se como uma marca admirada e consumida em diversos países. No ano passado, produziu 1,7 milhão de garrafas, e boa parte desse processo pôde ser acompanhada de perto pelos turistas. A vinícola foi pioneira em apostar no enoturismo. Atualmente, recebe turistas de várias regiões do mundo, e os brasileiros estão entre os que mais visitam a propriedade. A diária dos tais barris custa a partir de 1 500 reais, mas existem acomodações convencionais. O negócio de hospedagem só cresce. “Entendemos que era preciso oferecer um serviço profissional”, afirma Sandra Dias, diretora de enoturismo da Quinta da Pacheca. A executiva lembra que o aumento do fluxo de visitantes motivou a instalação de infraestrutura completa. O vinho não perdeu o protagonismo, mas divide as atenções com spa, restaurante e ateliê.
Portugal é o destino favorito dos brasileiros que buscam unir experiências gastronômicas e enológicas com turismo de alto padrão. Outras vinícolas tradicionais do país ajustaram suas operações para receber os visitantes. É o caso da Quinta do Crasto, também localizada na região demarcada do Douro. As habitações originais dos proprietários foram adaptadas e hoje há a opção de dormir em um dos quatro quartos exclusivos na centenária casa. As visitas guiadas à adega, aos vinhedos e aos olivais que dão origem a seus famosos azeites são feitas apenas para pequenos grupos. “Isso confere um caráter mais acolhedor e informal, de grande autenticidade, a todas as visitas”, diz Tomás Roquette, administrador e proprietário da Quinta do Crasto.
O enoturismo de luxo cresce especialmente na Europa. Na Provença, no sudeste da França, região conhecida pelos vinhos rosés, o Château de Berne conta com hospedagens tradicionais, em amplas suítes, além da possibilidade de ficar em uma das luxuosas vilas dentro da propriedade, equipadas com piscina e ar-condicionado, por cerca de 30 000 reais nos fins de semana. A infraestrutura da vinícola tem spa, escola de gastronomia, quatro restaurantes e uma programação esportiva. Embora ofereça inúmeras opções de entretenimento, a degustação de vinhos é o que motiva os hóspedes a conhecer o local.
Não é preciso atravessar o oceano para encontrar experiências semelhantes. Um dos hotéis mais luxuosos do Chile fica dentro da propriedade da tradicional vinícola Vik, no topo de uma colina, com visão panorâmica dos vinhedos. Além da arquitetura moderna e das belezas naturais da Cordilheira dos Andes, cada um dos 22 quartos tem temas diferentes. Há um inspirado no Japão e outro baseado no design das bolsas da grife Hermès. Para quem prefere algo ainda mais exclusivo, sete bangalôs de vidro foram construídos no meio da natureza, e é possível desfrutar esse mimo pagando 7 000 reais a diária. Mesmo as vinícolas que não contam com hospedagem apostam em novidades para atrair o público de alta renda. Na Argentina, a Kaiken inaugurou recentemente o restaurante Ramos Generales, com menu elaborado pelo chef Francis Mallmann, ícone da gastronomia patagônica. “A proposta é transformar cada visita em uma experiência”, diz Juan Pablo Gonzalez, gerente de exportações da vinícola para as Américas.
Embora o passeio dure apenas alguns dias, o objetivo das vinícolas é associar o consumo de seus rótulos a momentos de descanso e prazer. Com essa estratégia, cativam mais do que apenas aficionados dispostos a discutir castas, solos e métodos de vinificação com os enólogos das casas. “Recebemos clientes com diferentes motivações, até aqueles que pouco sabem o que é o vinho do Douro”, diz Sandra Dias, da Quinta da Pacheca. “Depois, toda vez que abrem uma garrafa, olham as fotos e lembram da visita.” Assim, o vinho estará para sempre conectado a momentos inesquecíveis.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836