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‘Hola, qué tal?’: Argentinos aportam como nunca antes em solo brasileiro

A maioria é formada por jovens que pretendem vir morar aqui

Por Duda Monteiro de Barros 24 jun 2023, 08h00

Não são poucas as semelhanças culturais que unem Brasil e Argentina. Só para começar, há a onipresente paixão pelo futebol, seguida da apreciação por um bom churrasco e do cafezinho para arrematar as refeições. Pesa a favor ainda o idioma, que torna possível a comunicação desde que ambos os lados estejam abertos à interação — o que em geral acontece. Tais fatores, associados à proximidade geográfica e às fronteiras amigáveis, estimulam a curiosidade dos que vivem do lado de lá em desbravar as belezas e oportunidades da vizinha terra tropical. Sempre foi muito comum encontrar argentinos em situação de veraneio, se refestelando nas areias brancas, mas aí veio a pandemia, depois a crise financeira em que estão atolados e, agora, os hermanos vêm decidindo se estabelecer nestas praias sem prazo para voltar. E não deu outra: segundo o Observatório das Migrações Internacionais, eles, que desembarcam em ondas, nunca estiveram tão presentes, cravando um recorde. Já são quase 100 000 com cidadania, o dobro do contingente de uma década atrás e as chegadas aumentaram 20% hoje em relação a 2019.

Os argentinos estão bem habituados aos declives de sua instável economia, cujo leme se encontra nas mãos do peronista Alberto Fernández. A atual travessia é complexa — foram quatro momentos de franca ladeira abaixo em pouco menos de meio século. É atalho para elevada incerteza política, sem que o partido no poder tenha apresentado até agora um nome palatável para concorrer à Casa Rosada em outubro. “Existe um problema histórico, difícil de ser resolvido. A economia argentina se arrasta em um processo de decadência que alia inflação crônica a crescimento baixíssimo”, diz o economista Mauro Rochlin, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Em abril, a taxa inflacionária atingiu 109% no acumulado dos últimos doze meses, enquanto o peso local virava pó. O quadro de trepidações forma o caldeirão perfeito para que as famílias comecem a se debruçar com afinco sobre o projeto de mudar de ares — e o Brasil, visto hoje como país “amigo e equilibrado”, acaba sendo o curso natural.

selo argentina

Uma turma jovem, com menos amarras, vem muitas vezes em busca de um lugar ao sol, literalmente, sempre de olho numa fonte de renda que lhe garanta sustento e chance de ascensão — horizonte raro na paisagem de cidades como Buenos Aires. Egresso da espetacular região da Patagônia, vivendo sob frequentes temperaturas negativas, Javier Zalbide, 29 anos, aproveitou o conturbado cenário argentino para pôr de pé o antigo sonho de tentar morar em outro país. Em maio, pegou um avião para o Rio de Janeiro, onde se instalou em um hostel de Copacabana, e logo arranjou um emprego em plena orla — uma passagem para voos profissionais mais ambiciosos. “Estou aprendendo a lidar com o calor extremo e, apesar de minha vasta experiência trabalhando na gastronomia, nunca tinha comido frutos do mar”, relata, frisando diferenças culturais que alcançam o ápice na extrema informalidade carioca.

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Javier compõe o típico imigrante argentino desta era: oscila entre 25 e 39 anos e costuma se instalar no Sul e no Sudeste, com maior concentração em Santa Catarina (30,5%), Rio (16,3%) e São Paulo (15,5%). Historicamente, eles têm vindo atrás de oportunidades no Brasil desde a década de 1970. Naquela época, muitos escapavam da sangrenta ditadura militar instaurada em sua nação. Foi nesse período que uma leva tomou Búzios, o charmoso balneário na Região dos Lagos fluminense, que se converteu em uma pequena Argentina no fim dos anos 1980, quando o espanhol e as iguarias argentinas brotavam por toda a parte. Prosperaram de forma tão acentuada que, agora, correspondem a 20% de toda a população local.

DAQUI NÃO SAIO - Javier Zalbide, 29 anos: da Patagônia à orla carioca
DAQUI NÃO SAIO - Javier Zalbide, 29 anos: da Patagônia à orla carioca (./Arquivo pessoal)

Inspirado no incontestável sucesso dos conterrâneos na área, em 2022 Edgardo Scocco, 54 anos, deixou Córdoba com sua esposa e filho para dar asas à veia empreendedora em Cabo Frio, ao lado de Búzios. Depois de garimpar o que não havia no mercado, resolveu inaugurar uma fábrica de empanadas, o mais famoso dos quitutes deles, tão desejado por quem decide fincar acampamento por aqui — e pelos próprios brasileiros. “A desvalorização do peso em relação ao real me pegou, tudo parecia muito caro, mas consegui abrir meu negócio e olhar para o futuro”, conta Edgardo.

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Outra visível concentração dos vizinhos sul-americanos é observada no catarinense Balneário Camboriú. Nos disseminados grupos nas redes, dá-se dica de tudo para os recém-chegados: churrascarias que servem a típica parrillada, apartamentos para morar e atalhos burocráticos para se tornar um residente fixo (trâmite considerado simples). Aos 30 anos, Santi Amaya, mais um que deixou a nebulosa crise para trás, se mudou para Camboriú atraído pela segurança e pelas incontáveis belezas. Contando assim, o enredo parece fácil, mas envolveu coragem para largar o estável emprego em uma multinacional em Córdoba para se arriscar em uma empresa de reformas e construção com seu irmão no lado brasileiro. Não se arrepende. “Fui muito bem recebido e me sinto em casa, já que em todo lugar encontro conterrâneos”, brinca.

Os argentinos que aqui aportam não estão fugindo da extrema escassez, como ocorre, por exemplo, com os venezuelanos. “A maioria é de uma classe média em busca de melhores condições de vida e chances para empreender. Guardadas as proporções, o Brasil é, para eles, uma espécie de eldorado, como os Estados Unidos são para os brasileiros”, diz o cientista político Leonardo Paz, especialista em relações internacionais. Esqueçam, portanto, as rixas de praxe, aquelas que podem atingir as alturas quando o que está em jogo são Messi, Maradona e Pelé. No Brasil, os argentinos estão bem assimilados e não se cansam de dizer: muchas gracias.

Publicado em VEJA de 28 de Junho de 2023, edição nº 2847

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