Ao se falar em impostora, logo vem à cabeça uma pessoa enganadora e mentirosa, que não passa de uma fraude – de si mesma ou de outras pessoas. E que, geralmente, para manter essa farsa, acaba cometendo delitos, por vezes, até criminosos. Um caso famoso de impostora é Anna Delvey, a mulher que convenceu a elite de Nova York, nos Estados Unidos, de que era uma herdeira alemã e grande empreendedora, só que por trás de todo aquele glamour, tratava-se de Anna Sorokina, uma audaciosa e ambiciosa golpista russa. Sua história virou série na Netflix e, ao que se viu ali, ela desempenhava tão bem esse papel que parecia não sentir nenhum problema em ser uma impostora, porque tinha total ciência de sua farsa e, provavelmente, convivia com algum distúrbio psiquiátrico. Não é o caso, porém, da maioria das mulheres que sofrem da “Síndrome da Impostora”, um fenômeno psicológico que acomete uma boa parcela do público feminino e que provoca sofrimento, impacta a autoestima e traz sensações de frustração e ansiedade, diante, principalmente da carreira profissional e conquistas.
A “Síndrome da Impostora” é um termo criado em 1978 pelas pesquisadoras Pauline Clance e Suzanne Imes, da Universidade Estadual da Geórgia, nos EUA, que ao conduzirem uma pesquisa com 150 mulheres em posição de destaque profissional, descobriram que quanto mais respeitadas e bem-sucedidas elas eram, mais essas mulheres sentiam-se inseguras e acreditavam ser uma fraude, ou seja, sentiam-se como impostoras. “Pelo fato dela não acreditar em seu próprio potencial e que está ali apenas pela sorte, as próprias demandas profissionais despertam gatilhos que deixam a mulher extremamente ansiosa”, diz a psicóloga Larissa Fonseca, doutoranda da UNIFESP e especialista clínica em ansiedade. “É quando ela desenvolve um grande medo de não conseguir corresponder às expectativas, pensa em todas as prováveis consequências do erro e que todos provavelmente vão saber a fraude que ela se sente ser”.
Agora, esse fenômeno voltou a ganhar força por outro evento que também afeta e muito a autoestima feminina: as redes sociais. Não à toa, a geração Z, conhecida por ser empoderada e sem papas na língua, que quebram padrões e criam novos paradigmas, são as mais oprimidas pela síndrome e experimentam essa sensação de impostora com mais intensidade. “É um sentimento enorme nessas jovens, pois elas nasceram no universo digital. Para elas, o digital é o detentor do saber, então o maior peso e validade estará para a verdade trazida na internet”, pontua a psicóloga. “Como elas não se enxergam conforme a imagem correspondente ao universo digital, sentem-se impostoras, o que provoca uma extrema baixa autoestima e um ciclo de ansiedade”.
A conclusão é de uma pesquisa do Instituto Ipsos, feito a pedido da Idôle, linha de fragrâncias da marca francesa de beleza Lancôme, com 500 mulheres das gerações X (1960 a 1979), Y (1982 a 1994) e Z (nascidas a partir de 1995), que apontou que o sentimento era compartilhado por 26% das mulheres da geração Z. O índice foi de 9% e 5% nas gerações Y e X, respectivamente. Ou seja, o público feminino da geração Z sofrem cinco vezes mais com a síndrome do que as gerações anteriores, fato ligado diretamente à exposição nas redes sociais, já que 47% das entrevistadas disseram que deixam de postar conteúdo por não achar relevante o suficiente. “Essa geração dá um peso maior para o irreal do digital, assim como antigamente o valor eram as revistas de beleza”, comenta a especialista.
Elas também são mais estressadas e ansiosas (73%) e temem mais não corresponder às expectativas após um elogio (59%). “Quando surge uma nova demanda, causa uma extrema ansiedade com pensamentos de incapacidade, vulnerabilidade e isso se completa com a sensação de que não consegue realmente dar conta”, afirma Larissa.
O uso intenso das redes sociais potencializa essa condição já que acaba interferindo na percepção dessas jovens sobre relevância, conquistas e demais aspectos, afinal, elas se compararam o tempo todo com celebridades e influencers. E, o que é mais preocupante, provoca forte impacto de forma silenciosa, pois elas “vendem” outra imagem e vivem em um período de explosão das questões mentais. “Hoje vemos grandes mulheres que se mostram fortes e não falhas, porém, elas o são. E essa imagem perfeita aparece como uma crença real para as meninas da geração Z”, explica a psicóloga.
Segundo a especialista, como solução na prática, é preciso perceber quais são os pontos de gatilhos que fazem essas mulheres se sentirem incapazes e vulneráveis. “Eles devem ser eliminados no convívio digital. E, principalmente, devem ser levados como situações específicas para a psicoterapia a fim de ajustar os pensamentos cognitivamente para que a emoção deixe de ser desconfortável e torne-se uma capacidade da própria pessoa”, diz Larissa. “A terapia cognitiva pode ajudar e muito para reinterpretar situações, diminuir o sofrimento e usá-lo como forma de enfrentamento e capacidade emocional”, finaliza.