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Carnaval turístico do Rio também nasceu da luta política dos sambistas

'Modernidade Negra na Praça Onze' investiga as articulações por trás da festividade

Por Da Redação
Atualizado em 13 fev 2024, 14h26 - Publicado em 13 fev 2024, 13h41

O Carnaval turístico no Rio de Janeiro, desde o início dos anos de 1930, foi uma articulação política que envolveu diversos setores, incluindo a imprensa e as agremiações carnavalescas, o mercado de turismo e o Estado. Essa é uma das conclusões de pesquisa da doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Fabiana Martins Bandeira. “Essa disputa aconteceu em torno de qual seria o Carnaval turístico”, explicou Fabiana.

Ela é responsável pela pesquisa intitulada Modernidade Negra na Praça Onze: escolas de samba, ação política e a construção do Carnaval turístico, que destaca a ação política das escolas de samba ao longo de todo o processo que se inicia em 1932, no primeiro desfile na Praça Onze, e vai até 1948, abrangendo o período do pós-guerra.

“Elas lutaram, através dos seus desfiles, por maior acesso à cidadania e o reconhecimento do valor do samba das escolas de samba para a formação da brasilidade e o reconhecimento do valor do desfile para o crescimento desse carnaval político”, disse em entrevista à Agência Brasil.

Como isso ganhou evidência?

De acordo com Fabiana, há o entendimento de que foi uma ação política, que ficou mais evidente no pós-guerra, com a consciência do apoio dos sambistas para as eleições, em especial nos anos de 1945 e 1947, quando as escolas de samba atuaram diretamente nas campanhas políticas, com algumas lideranças sendo alvo de repressões e perseguições no governo de Eurico Dutra, principalmente após sua aproximação com o Partido Comunista do Brasil (PCB).

Durante a guerra, as escolas cantaram sambas de apoio ao soldado combatente, sambas contra o nazifascismo. “Tudo isso foi mostrando que, mais do que simplesmente ter o direito de desfilar, era, também, o direito de ser reconhecido como cidadão, como brasileiro, e ter o samba de morro, como a imprensa chamava na época, reconhecido como um grande valor cultural para o país.”

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Boa parte da tese de Fabiana se concentra no período do Estado Novo de Getúlio Vargas. Foi quando ela observou o maior movimento de mostrar o samba no exterior e trazer também estrangeiros para verem o samba, como parte da política da boa vizinhança com os Estados Unidos. Em algumas agremiações, ocorreram visitas importantes, como a do diretor Walt Disney, que esteve na Portela, em 1941; e do diretor de cinema Orson Welles, em 1942, que participou do Carnaval na Praça Onze e tentou fazer um filme sobre a festa.

Que contradições a pesquisa mostrou?

Ao mesmo tempo que o Carnaval de rua popular e os desfiles das escolas de samba mostram a relação entre brasilidade e samba, o Estado brasileiro poucas vezes, naquele momento, associou isso ao sambista negro morador dos morros e subúrbios do Rio. 

“Acho que a maior contradição que eu observei nesse período do Estado Novo e da política da boa vizinhança é sobre a identidade racial brasileira”, diz Fabiana. “De um lado, o samba vai sendo elevado no discurso da grande imprensa como representativo de uma suposta democracia brasileira e de uma suposta harmonia racial brasileira, que a gente sabe que é mito. Naquele período, o samba servia a esses propósitos da propaganda.”

Segundo a pesquisadora, foi na gestão de Henrique Dodsworth como prefeito do então Distrito Federal que as negociações das agremiações das escolas de samba com o Estado ficaram mais dificultadas, com o governo tentando se apropriar da recém-construída Avenida Presidente Vargas, espaço importante para a cultura popular. Simultaneamente, intensificavam-se as perseguições policiais e as regras eram cada vez mais rígidas para o Carnaval de rua, enquanto havia incentivo para o Carnaval interno de bailes em cassinos luxuosos e hotéis na orla de Copacabana.

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Como as escolas passaram por cima?

As agremiações de samba acabaram se organizando em associação e estabeleceram uma espécie de pacto político com o Estado para que essas comunidades tivessem algum benefício. Durante a prefeitura de Pedro Ernesto, antes do golpe de Estado, o pacto político começou a ser construído, com a inauguração, em janeiro de 1936, da Escola Municipal Humberto de Campos, na Mangueira, primeira unidade de ensino aberta em uma comunidade. Já a partir do Estado Novo, esse pacto político vai sendo rompido. 

Atualmente, o Carnaval carioca se consolidou como um negócio, além de ter se tornado um grande momento de arrecadação para o Estado. O evento também se estabeleceu como mercado de trabalho para muitas pessoas, que se dedicam o ano inteiro para colocar as escolas de samba na avenida, na visão de Fabiana. 

Embora nos últimos anos a intelectualidade negra tenha ganhado espaço, a pesquisadora entende que ainda há uma permanência do racismo em muitos discursos da imprensa, principalmente pela mentalidade persistente na história recente que relaciona a figura do carnavalesco a um intelectual branco, oriundo da academia, considerado por muitos como mente criadora nas escolas de samba, deixando na invisibilidade os artistas das próprias agremiações que trabalham para a realização do Carnaval.

(Com Agência Brasil)

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