Quando chegou à cadeira de presidente da Warner Music Brasil, Leila Oliveira, 50 anos, já tinha uma história no mercado fonográfico, mas o cargo a obrigou a encarar novidades. Primeira mulher a presidir uma gravadora no país, a paulista, que atualmente vive no Rio de Janeiro, precisou se impor para ter a atenção de uma área dominada por homens. Aos poucos e com a receptividade de outras mulheres, Leila viu que seu papel naquele lugar era muito maior do que administrar uma das maiores empresas da indústria fonográfica. Durante o Warner Inspira, evento de promoção da diversidade, que contou com a participação da deputada federal Erika Hilton (Psol-SP), na sede da Warner Music Brasil, no Rio, a empresária falou à coluna GENTE sobre o machismo tanto no corporativo quanto na música, avaliou a influência da tecnologia no setor e opinou sobre as tendências do mercado.
Como é ser a primeira presidente mulher de uma gravadora no Brasil? Tive a sorte de vir para a Warner em uma área que, na época que cheguei, era new business, cuidava de toda essa parte de digital, como iTunes. Isso foi há 11 anos. Depois virei diretora comercial e acabei me tornando gerente geral, assumindo marketing também, até chegar à presidência. A forma como a empresa trabalha, além da forma como fui me apaixonando pelo que a gente faz, foi trilhando esse caminho.
A senhora precisou enfrentar o machismo? Sim, mas acho que é uma transformação. Talvez mais no sentido de não ser uma coisa tão normal e que culturalmente as pessoas não estão acostumadas, pessoalmente, não passei por isso. Passei pela situação de ser a única mulher no meio de uma reunião. Agora, uma coisa que senti logo que assumi foi a quantidade de mensagens: “que bacana, como você representa a gente”, “como estou torcendo para que dê certo”, “como me sinto representada e vingada”, “finalmente esse espaço”. E aí vi que, realmente, o fato de não ter vivido isso de uma forma tão dura, de ter sentido esse preconceito ofensivo, é caso isolado. Depois que sentei na cadeira, comecei a ver o quanto essa temática é complicada e o quanto ela tem que estar no papo de todo mundo. É difícil trazer essa temática nas ações e fazer com que a coisa realmente mude, de que não seja mais exceção ou coisa incrível ter mulher presidente na indústria da música.
Depois que percebeu isso, a senhora começou a investir nesse tema? Comecei a prestar mais atenção e ver o quanto a gente precisa trazer ações o tempo todo. É um exercício trazer todo mundo para pensar, homens também. É o tema do Warner Inspira, a gente pegar temáticas de diversidade, do que realmente importa, de propósito, de temas que a gente precisa falar e conscientizar as pessoas todo dia. Não é só a bandeira.
A Warner afirma que mais de 60% dos cargos são ocupados por mulheres. Esse número aumentou depois da sua presidência? A Warner já tinha mais mulheres. Talvez o que tenha mudado é a quantidade de mulheres em cargos de liderança. Mas não acho que seja porque são mulheres. É importante a gente ter olhar de diversidade. Na hora que tem uma liderança diversa, seja de mulheres ou LGBTQIAPN+, você tem olhares diferentes sobre um assunto e consegue ver diferentes impactos no que vai fazer.
E na música? Há machismo? Muito. A gente tem gêneros musicais com pouquíssimas mulheres. Funções mais operacionais, em estúdio… Quando a gente fala de área técnica de produção, tem pouquíssimas mulheres. Lá atrás quase não tinha mulheres, agora já tem, ainda bem. Logo que assumi, a gente contratou a Azzy, artista incrível do rap, que vem de batalha de rima, meio totalmente de homens. Quando a gente assinou, ela me abraçou e me falou o que significava para ela que uma gravadora tenha contratado pelo que realmente faz, que é rap com uma mulher na presidência. Mas acho que [o machismo na música] está mais visível e escancarado do que dentro da parte corporativa.
Tem planos para aumentar essa diversidade? A gente já progrediu muito. Essas novas gerações, geração Z, geração alfa, tem um olhar maior para isso. Talvez a gente precise de um equilíbrio, acho que também existe uma coisa das gerações anteriores que não viveram isso, que não é uma chave tão fácil de girar. Não quero dizer que você não queira, só quero dizer que são realidades diferentes e que a gente está progredindo . A minha esperança é: as próximas gerações já estão nesse contexto.
Como a senhora vê a influência da internet na música? As coisas mudam o tempo todo. Por exemplo, quando o meu sobrinho nasceu, meu irmão fez um vídeo com foto do nascimento e tal, mas o YouTube bloqueou porque ele botou uma música indevida. No aniversário de um ano, ele fez a mesma coisa, e o vídeo não foi bloqueado, porque a gente já tinha mudado o modelo de negócio. Em vez de bloquear, a gente começou a monetizar. Hoje é muito diferente o negócio com o digital, o volume de produção ficou mais fácil. E o nosso papel também mudou nos estágios da carreira do artista. Onde sou necessária? Na parte artística ou distribuição?
Como assim? Ludmilla, por exemplo, começou com a gente como artista, mas chegou o momento da carreira que queria fazer as coisas do seu jeito. Hoje, tem o nosso suporte para distribuição, mas as decisões artísticas são dela. E também tem o contrário. A gente tem vários artistas de música urbana que vieram em busca de ajuda de construção de carreira. Me sinto privilegiada de ter sentado nessa cadeira em um momento onde a gente conseguiu perceber isso e pensar nesse novo modelo.
Essa monetização no YouTube não influencia na questão dos direitos autorais? Na verdade, já temos acordos. O YouTube é uma plataforma que tem acordos globais, assim como Warner Music Group. A partir daí, é um modelo de negócio onde essa receita deles tem uma participação que vem para a gravadora, tem uma participação que vai para o autoral e, então, a gente recolhe o artista. Todas as músicas oficiais que estão disponíveis como conteúdo oficial nas plataformas têm acordos, tanto para a parte fonográfica quanto para a parte autoral.
Como a senhora vê as mudanças na área com o streaming? Como todas as mudanças de modelos de consumo, a gente precisa ir chegando em um acordo. No início era o download, de repente veio o streaming, com um valor baixinho. Mas tem uma cauda longa. Como gravadora, nosso maior dever é conseguir que esse mercado continue estimulando o consumo. A gente já teve queda gigante com pirataria, mas conseguiu retomar com negociações e aprendendo a fazer negócios com digital. Da mesma forma que depois do streaming, do Spotify, das plataformas, a gente começou a vir com as redes sociais. Hoje, achamos caminho de como fazer com que a utilização de músicas na Meta, TikTok e outras mídias sociais seja justa para todos. Nosso dever é com o artista. É garantir esse direito e a remuneração para eles.
Os podcasts estão em alta. Como trabalhar isso? O podcast tem tomado um espaço, mas, por outro lado, também dá visibilidade em entrevistas com artistas. Acho que é uma coisa que a gente tem que tomar cuidado.
Como a música será afetada pela inteligência artificial? Sim, é a revolução que já tivemos outras vezes. Por isso, nosso papel como gravadora é conseguir antever isso e tentar, da melhor forma possível, enxergar para onde é que isso está indo e garantir as melhores formas de proteger direitos, de proteger a voz, a imagem, as obras dos nossos artistas. E garantir isso. Porque esta realidade não vai ter volta. Vem muita coisa por aí.
Para a senhora, qual é a tendência da música? A gente está em um momento em que as colaborações estão explodindo no mundo inteiro. O mundo está muito mais globalizado. Hoje tem uma mescla de gêneros maior. Se a gente for pegar essa galera nova, duplas que misturam sertanejo com funk, com rap, com trap, coisa meio urbana. A própria Ana Castela faz essa brincadeira. Essas colaborações da geração nova de artistas que estão vindo estão abertas. Quando você faz uma colaboração, soma audiências, e isso amplifica o alcance. Apesar de alguns gêneros continuarem tendo suas peculiaridades, existe uma flexibilidade maior nas misturas.