Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

VEJA Gente Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Valmir Moratelli
Notícias sobre as pessoas mais influentes do mundo do entretenimento, das artes e dos negócios
Continua após publicidade

‘Os norte-americanos acham que somos pacíficos’

Artista plástica Kenia Maria, premiada na ONU, fala a VEJA sobre racismo e artes

Por Valmir Moratelli Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 31 ago 2022, 20h00

A artista plástica Kenia Maria, destaque em premiação da ONU que homenageia anualmente os afrodescendentes mais influentes do mundo, tem um novo desafio pela frente. A convite de Bethânia Nascimento, afro-brasileira a se tornar a primeira bailarina em uma companhia de balé internacional, e filha da ativista Maria Beatriz Nascimento, Kenia foi a Nova York, mais precisamente no bairro do Harlem, para assumir, ao lado da bailarina Ingrid Silva, a diretoria artística da Fundação Beatriz Nascimento. Kenia também é artista plástica e aproveita a ida aos Estados Unidos para se reunir com galeristas. Em conversa com a coluna, ela fala das influências da cultura da Yorubá nos movimentos Pop Arte e Afrofuturista.

Como artista plástica, você utiliza elementos da cultura Yorubá, com referências nos movimentos Pop Arte e Afrofuturista. Sua arte também traz a questão do racismo como tema? Eu faço arte, porque preciso existir. Por mais que o racismo não seja a minha motivação para criar, minha arte não deixa de provocar reflexões sobre o que me atravessa como mulher negra na América. Viajar para Nova York para me reunir com galeristas não deixa de ser revolucionário. É importante lembrar que o Brasil criou a Semana de Arte Moderna de 1922, que aconteceu em São Paulo, patrocinada pela economia em desenvolvimento do café. Esse movimento acontece 34 anos após a abolição da escravidão! Foi um movimento artístico excludente, elitista, feito por e para herdeiros da elite agrária, cujos antepassados estavam ligados ao período escravista. A influência do pensamento afro-futurista me atravessou quando pensei em criar uma coleção para falar da relação do negro com a natureza através da cultura Yorubá, do culto aos orixás. Uso a pintura abstrata como pano de fundo para compor um visual futurista nos traços e na composição das cores.

O que significa de forma prática o conceito do Quilombo, não só como histórica organização social, mas como movimento ideológico na luta dos negros? Mais que um movimento pensado como lugar de fuga, é um território de existência. O Quilombo é o modelo de sociedade a ser seguido. O quilombismo não permite que a colonização destrua a humanidade da população negra. É necessário desconstruir as referências que temos sobre quilombos. Não estamos falando de pessoas negras plantado cana e falando errado. O pensamento quilombola tem movido pessoas negras para as universidades. Quilombo de Palmares, localizado na Serra da Barriga, foi fundado por uma mulher (avó de Zumbi). A estrutura dessa instituição é matriarcal, como a África que chegou aqui na América.  Nós não somos apenas o país mais preto fora do continente africano, nós somos a África fora do continente.

O que há de diferenças e semelhanças na luta negra nos Estados Unidos e no Brasil? Um fator que distância os desafios das duas lutas foram as leis de segregação nos Estados Unidos, durante a segregação o dinheiro da população negra circulava durante mais tempo dentro da comunidade, a proibição do casamento inter-racial possibilitou o fortalecimento da família negra como uma instituição importante na luta pela emancipação. A luta pelos direitos civis foi essencial para garantir direitos essenciais, como o voto. A falsa democracia racial no Brasil é uma grande fake news. É na democracia racial que nasce a empregada doméstica, que na verdade ainda presta um serviço análogo à escravidão, mas é considerada “quase da família”. É na democracia racial que nasce a “branca para casar, mulata pra cama e preta para trabalhar de Gilberto Freire”. É na “democracia racial “que nasce a proibição da nossa cultura, para mais tarde a vemos ser comercializada por pessoas brancas.

Continua após a publicidade

Qual é a visão do Brasil nos EUA atualmente? Precisamos falar de recorte racial quando se pensa na imagem do Brasil no mundo. É um ano importante para a vida política do Brasil. Os americanos estão preocupados com a Amazônia, o desmatamento. Mas ainda se chocam quando sabem que no Brasil um negro morre a cada 23 minutos. Tem gente em Nova York que nunca viu uma brasileira preta nos Estados Unidos. Que abismo é esse? O genocídio da população negra. A América ainda não sabe o que acontece com o negro no Brasil, existe uma falta de interesse ou uma necessidade de dizer que somos felizes na desgraça. A nossa história foi mal contada nas escolas, na mídia e no mundo.

A luta negra norte-americana também chega ao Brasil de forma deturpada, não? Nós também temos uma imagem ainda romantizada sobre a luta norte-americana. Acreditar que Martin Luther King era um pacífico sonhador é uma narrativa agradável para quem se beneficia com o racismo. Luther King era advogado, precisava provar para o mundo como o negro era tratado na América, as manifestações aconteciam em frente às câmeras, a população negra foi treinada para não reagir. Não era movimento pacífico, era movimento estratégico. Os norte-americanos acham que somos pacíficos, não entendem porque no Brasil não queimamos tudo quando matam os nossos. Nós somos o mesmo povo e viemos do mesmo lugar, o racismo que muda nossas estratégias. O Brasil não é Estados Unidos e a população negra consegue perceber isso, não somos ingênuos.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.