Fundadora do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), Luana Génot, 35 anos, se tornou uma das maiores ativistas da pauta antirracista no país. Desde 2016 com a instituição sem fins lucrativos, Luana trabalha para promover a diversidade e inclusão racial. Defensora da necessidade de um letramento racial em ambientes escolares, a executiva celebra a conquista de transformar o dia da Consciência Negra em feriado nacional, neste 20 de novembro. Em conversa com a coluna GENTE, Luana adverte dos perigos de partidarizar a pauta antirracista e questiona a falta de diversidade na foto oficial dos chefe de Estado no G20.
Qual a importância do Dia da Consciência Negra em pleno 2024? Mais que uma efeméride, é uma forma de demarcar no calendário momento para a gente poder refletir sobre o legado dos negros no Brasil. Mais do que refletir sobre o que representa a figura de Zumbi dos Palmares, de todo o legado que ele teve no Brasil em relação à luta pela liberdade e contra a escravidão, a gente precisa entender o histórico da escravidão no Brasil. Pela primeira vez é um feriado nacional.
Qual é o tamanho da mancha de desigualdade racial deixada no Brasil? Sete a cada dez das pessoas mais pobres do país são negros impedidas de acessar igualdade de oportunidade por conta da cor de pele. Você pode ter diplomas debaixo do braço, mas não tem cara de gerente, não tem cara de diretor, tem cara de (motorista de) Uber, de motoboy, de babá. Nenhum demérito em relação às profissões, mas as pessoas ainda são impedidas de acessar determinados espaços pela forma como aparentam ser. A questão racial é visível e, infelizmente, ainda é um filtro de oportunidades.
Como conscientizar as pessoas sobre o racismo? Com um letramento racial nas escolas, nas empresas, nas organizações, de forma contínua. A gente precisa se expor mais a esse tema. Boa parte da população brasileira, com mais ou menos poder aquisitivo, não tem letramento racial. Nunca teve no Brasil uma campanha governamental sobre suas identidades raciais: preto, branco, pardo, amarelo e indígena. Costumo dizer que o Brasil é um avião que quer voar com uma asa só.
Como esse letramento racial impacta a forma de pensar? No âmbito pessoal, se você tem letramento, vai dizer: ‘vou fazer uma festa de aniversário, mas não tem nenhuma pessoa negra? Não tem nenhuma pessoa com deficiência na minha festa? Como assim? Eu vivo numa bolha, né? Então, eu vou procurar ter mais amigos e amigas negras, indígenas, mais pessoas com deficiência para aumentar meu próprio repertório’. O letramento racial, em geral, ajuda a desbloquear uma visão de ‘bolha’.
Uma de suas pautas é a educação antirracista. Como implementar essa educação nas instituições educacionais? Primeiro, precisa ser parte do plano pedagógico das escolas. Hoje em dia tem várias ferramentas, além de livros, podcasts, vídeos na internet disponibilizados aos montes. A gente no IDB criou uma inteligência artificial, a Debi. Ela está acessível no Instagram, mas também é um plugin que escolas podem ter para acessar. Por exemplo, o professor de física, que não faz ideia de como implementar uma pauta sobre a questão racial na aula.
O que te motivou a fundar o ID_BR? Fundei o IDBR em 2016, fruto de um trabalho acadêmico que já fazia na conclusão de curso de comunicação. Era um trabalho sobre identidades do Brasil, queria pesquisar os discursos sobre raça das pessoas na faculdade. Depois virou o meu trabalho, que se chamava IDBR, ‘Identidades do Brasil, Cara, Pele e Jeito’. A conclusão era que as pessoas que mais sabiam das suas identidades em termos de raça, de passado, eram as pessoas brancas, dentro daquela pequena amostra. Além disso, a maioria das pessoas negras, indígenas, pretas e pardas entrevistadas, já estavam formadas, exerciam trabalhos de base, operacionais… As profissões têm cor, as identidades estão correlacionadas a determinadas profissões. Quando digo ‘secretária’, imediatamente você vai pensar em uma mulher. Se falo ‘CEO’, você pensa em um homem branco.
Como o avanço da extrema-direita pode ser preocupante para a pauta antirracista? O mais preocupante é a gente partidarizar a pauta antirracista mais do que o avanço da extrema-direita. Quando se partidariza, dá a impressão que a pauta contra o racismo, pela igualdade racial, é só da esquerda. Todo mundo precisa falar sobre a luta antirracista, a gente precisa tirar isso de uma pauta partidária, todo mundo deve estar inserido na agenda antirracista. Essa não é uma pauta da esquerda, não é uma pauta da direita, deve ser uma pauta de todas as pessoas.
Como o racismo estrutural ainda é visto na sociedade? Todos fazemos parte de uma estrutura racista. A gente aprendeu que as referências mais legais, mais bonitas, são brancas, e isso faz parte do racismo estrutural. Quando a gente coloca no Google a figura de médicos, de presidentes, a gente vai ter majoritariamente referências brancas. A gente passou ali por quase 400 anos de uma hierarquização das raças que, consequentemente, hierarquizou as nossas referências. Quanto mais preto, menos importante. A gente estuda mais sobre a Revolução Francesa do que a Revolta dos Malês. A gente se importa mais quando o atentado é na França ou Inglaterra do que na Bahia ou em algum país africano.
A foto oficial do G20 confirmou a falta de representatividade, com a maioria dos chefes de Estado sendo homens brancos. Exatamente. É a foto do G20, é a foto do fim de ano da empresa, da festa de fim de ano, é a foto das famílias. Existe um mito que o Brasil é ‘todo mundo junto e misturado’. A maioria do Brasil só vê uma foto, não questiona. Falar que só tem homens brancos na foto não desmerece ou descredibiliza a inteligência que elas possam ter, mas também coloca em voga que existe uma discrepância.
Acredita que o Brasil avançou na luta antirracista? A gente já avançou.Seria ingrato da minha parte dizer que não. A gente só não está na velocidade que poderia. Se tem hoje escolas fazendo programas de letramento racial, já é um avanço. Se tem algumas empresas com ações afirmativas, já é um avanço. Poderíamos ter mais? Podemos e devemos ter.