Uma das vozes mais respeitadas quanto a estudos sobre racismo, o antropólogo Jacques D’ Adesky está lançando Uma Breve História do Racismo – Intolerância, Genocídio e Crime contra a Humanidade. Dedicando-se há décadas à produção acadêmica sobre esse tema, Jacques fala a VEJA sobre o perverso problema enraizado na sociedade brasileira. Na próxima segunda-feira, 13, ele lança a obra na Livraria da Travessa em Botafogo, no Rio. Confira o bate-papo:
O que o Brasil tem de diferente em relação a outros países quanto ao tema da discriminação racial?
É com o advento recente das políticas de ação afirmativa que se tomou consciência de modo mais amplo da existência de um racismo no país. Nas décadas 1970 e 1980, a questão do racismo e da discriminação era levantada quase somente por lideranças do Movimento Negro com eco limitado na sociedade.
A população brasileira envelhece cada vez mais, ainda que os ganhos com esse envelhecimento sejam sentidos de forma discrepante entre brancos e negros. Como avalia a velhice da população negra (pretos e pardos)?
De acordo com os dados do IBGE, a população negra tem menor expectativa de vida comparada à população branca. Tendo menor poder aquisitivo no que diz respeito à aposentadoria, a maioria da população negra depende quase exclusivamente do serviço de saúde pública que está sobrecarregada na maior dos estados, portanto oferecendo uma prestação de serviço abaixo da qualidade desejada.
Há no país um preconceito chamado de “elitismo classista”, onde se um determinado grupo social se coloca superior a outro. O racismo acaba entranhado nisso, já que os negros têm, historicamente, menos oportunidades. É um dilema que ainda vai perdurar gerações?
A política de ação afirmativa implementada no início do século XXI tem precisamente o objetivo de expandir a classe média negra, fortalecê-la, consolidá-la e produzir uma elite múltipla que possa atuar não somente no esporte ou na música, mas no campo econômico e no cenário político do país. Recentemente, fiquei muito admirado em ser atendido na Fiocruz por estagiários negros de medicina que atuavam no setor das doenças epidêmica e tropicais. É imprescindível para as populações negras das periferias e dos subúrbios poderem se espelhar diante de engenheiros, economistas ou advogados negros.
Em recente levantamento de VEJA, somavam-se 124 personagens nas novelas da TV Globo no ar, sendo apenas 17 atores negros, o que corresponde a menos de 14% do total. A TV ainda é “embranquecida”?
Houve sem dúvida melhora da presença de atores e atrizes negros nas telenovelas e no cinema brasileiro comparado à situação de décadas atrás, quando podia se contabilizar os artistas nos dedos de uma mão. Podemos facilmente nos relembrar de Grande Otelo, Ruth de Souza, Milton Gonçalves, Zezé Motta e Chica Xavier. Nos dias atuais, a lista é maior. Quem sabe, se a televisão e o cinema brasileiro poderão em breve lançar estrelas afro-brasileiras no cenário internacional, como já ocorreu mediante os cantores da MPB como Djavan, Gilberto Gil, Jorge Benjor e Milton Nascimento?
Qual é a melhor forma de se combater a discriminação racial no Brasil?
Isso se faz com maior investimento na educação escolar de qualidade. É de fundamental importância o reconhecimento do aporte histórico à formação cultural e construção da riqueza do Brasil com base no trabalho de africanos escravizados antes e durante o período colonial.
Há um retrocesso vigente no país atualmente?
Nesses últimos anos, constata-se uma falta de motivação na condução adequada de uma verdadeira política de promoção da cultura afro-brasileira ao levar em conta o desempenho frágil da Fundação Cultural Palmares, fundada pelo (então) presidente José Sarney (em 1988).