Enquanto as oposições estão desnorteadas com a subida de Bolsonaro nas pesquisas, o lugar do principal crítico do presidente foi ocupado por aquele que pode assumir caso ele sofra impeachment, o vice-presidente general Hamilton Mourão. Hoje, depois do presidente Jair Bolsonaro fazer seu enésimo tuíte de defesa da reeleição de Donald Trump, Mourão falou exatamente o oposto:
“Não temos nada a ver com as questões internas americanas. Isso é princípio constitucional nosso. A gente não admite ingerência nos nossos assuntos internos e também não fazemos nos assuntos internos dos outros”, afirmou o vice-presidente. À CNN, Bolsonaro disse estar “confiante com a reeleição de Donald Trump, porque será boa para as relações comerciais e diplomáticas com o Brasil”.
A postura de Mourão de se contrapor a Bolsonaro está num crescendo. Em entrevista a VEJA, Mourão afirmou que, ao contrário de tudo que Bolsonaro tem dito, o governo federal vai comprar a vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela fármaco chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. De acordo com Mourão, as declarações do presidente rejeitado a vacina é “briga política com o Doria. O governo vai comprar a vacina, lógico que vai. Já colocamos os recursos no Butantan para produzir essa vacina. O governo não vai fugir disso aí”.
Essa trombada do vice com o presidente é intencional é está relacionada com o incômodo do comando do Exército com a humilhação sofrida pelo ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, depois ter assinado protocolo de compra da vacina Butantan/Sinovac.
Na entrevista a VEJA, Mourão ainda defendeu a participação da telecom chinesa Huawei na licitação da tecnologia 5G, também contrariando Bolsonaro. “Em relação ao 5G, há um tripé para as empresas participarem: soberania, privacidade e economia. Então, qualquer empresa, na minha visão, que mostrar que está comprometida com esse tripé, independente da cor de onde ela vem, tem condições de participar aqui. Agora, a China é partido único? É partido único. É um regime autoritário ditatorial? É um regime autoritário ditatorial. Mas é o regime deles. A gente tem de entender que a China nunca viveu sob um regime democrático, numa república como nós a entendemos”.
VEJA – Há gente de confiança do presidente que conspira contra o senhor?
Mourão – Tenho quase certeza disso. Mas não me preocupa e não sei quem faz.
Nada é por acaso. Mourão está declarando alto e claro o que outros generais, almirantes e brigadeiros não podem falar em público. Os militares estão em prontidão desde que os filhos de Bolsonaro passaram a comandar, através de sua marionete o ministro Ricardo Salles, um ataque ao general Luiz Ramos, ministro da Secretaria de Governo. Ramos foi o responsável pelo acordo com o Centrão, o que na avaliação dos militares foi um sucesso. Serem atacados pelo que consideram um mérito não faz sentido para os generais.
Não há evidências, pelo menos não neste momento, de que Mourão está conspirando para derrubar o presidente. Mourão fala porque ele é o único que, por ter sido eleito, não pode ser demitido.
No bastidor desta disputa está o comando do governo. Os militares em aliança com o Centrão querem fazer um governo mais pragmático. Os radicais liderados pelos filhos de Bolsonaro e o youtuber Olavo de Carvalho querem iniciar uma revolução. Dessa disputa, se definem os próximos dois anos do governo Bolsonaro.