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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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Bolsonaro vai para o confronto

Manifestação de domingo testa apoio popular, mas não muda processo do STF

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 19 fev 2024, 13h41 - Publicado em 19 fev 2024, 11h37

Sob pressão, o ex-presidente Jair Bolsonaro sempre reage indo para o confronto. Foi assim quando houve a pressão internacional pelas queimadas na Amazônia, quando o STF limitou sua ação na pandemia de Covid-19, quando perdeu a votação sobre o voto impresso e quando foi derrotado por Lula nas eleições. Revidar faz parte do estilo Bolsonaro. Pressionado pelas investigações que mostram sua participação numa tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro apostou no combate mais uma vez ao convocar uma manifestação em sua solidariedade no domingo, 25, em São Paulo. Desta vez, no entanto, sem as prerrogativas do cargo de presidente, ele corre um risco maior.

Bolsonaro acredita na força do que ele mesmo define como “a foto que vai correr o mundo”, a imagem de centenas de milhares de pessoas vestidas de verde-amarelo representando o que seria a vontade da maioria dos brasileiros. Fez isso com sucesso durante a Presidência, usando o que chamou de “datapovo” para desacreditar as pesquisas que davam Lula sempre à frente. O ex-presidente tem a esperança, ou a ilusão, de que se juntar uma multidão expressiva na Avenida Paulista irá (1) amedrontar o ministro do STF Alexandre de Moares, (2) enfraquecer a vontade de outros ex-colaboradores fecharem acordo de delação e (3) mostrar aos aliados que ele segue sendo o único líder da oposição capaz de mobilizar gente na rua. O primeiro objetivo é altamente improvável. O segundo e o terceiro dependem de quanta gente Bolsonaro reunir.

Sem a estrutura do governo federal, com aliados investigados pela Polícia Federal e sob ameaça de prisão, Bolsonaro tem o poder de juntar dezenas de milhares de pessoas em qualquer cidade do Brasil. O antipetismo tem uma força do mesmo tamanho que o petismo, e o discurso de que todas as acusações não passam de perseguição deu certo quando Lula era o alvo da Justiça. Só que, assim como aconteceu com Lula quando sofria a investigação da Lava-Jato, em 2018, é improvável que uma “foto que vá correr o mundo” impeça uma prisão. A bravata de que um mandado de prisão causaria uma desobediência civil pelo país não passa disso, uma bravata.

Se a manifestação na Paulista não irá mexer com o ritmo das investigações, ela pode afetar o controle de Bolsonaro sobre sua sucessão como líder do antipetismo. Na quinta-feira, 15, o governador Tarcísio de Freitas anunciou que iria ao ato. “Não consigo ver — e essa não é uma opinião minha, tem muitos juristas divididos — nada que traga uma responsabilização para ele. Acho que o pessoal está criando muita coisa”, disse Tarcísio, ganhando pontos na base mais radical da direita. A adesão de Tarcísio obrigou o prefeito Ricardo Nunes a também anunciar que iria à manifestação, decisão que terá uma conta alta na eleição municipal. Outro pré-candidato, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, também disse que irá. Os dois não têm opção: apenas o candidato apoiado por Bolsonaro terá chance de chegar ao segundo turno em 2026.

O que já não é verdade para o Parlamento. Em 2022, cerca de 280 deputados se elegeram na esteira do bolsonarismo. Até a segunda-feira, 19, apenas 85 haviam confirmado presença no ato de domingo. No Senado, a mesma coisa. A bancada antipetista soma 33 senadores, mas só 14 confirmaram presença.

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Necessitando de apoio, Bolsonaro está cobrando as dívidas contraídas pelos aliados nas igrejas evangélicas, empresários do agronegócio e políticos eleitos pelo seu apoio. O ex-presidente precisa ter Tarcísio, Caiado e quem mais vier para mostrar que não está isolado.

Para quem sempre viveu do confronto como Bolsonaro, o ato na Paulista é um risco calculado. Ele já está nas cordas. Para quem tenta se equilibrar entre ter os votos da direita radical e flertar com o centro não bolsonarista, como Tarcísio de Freitas, os riscos são bem maiores. Afinal, quem acredita que o pedido do ex-presidente para que seus apoiadores não levem cartazes “contra quem quer que seja” será cumprido? Ou que, levado pelo momento, Bolsonaro não desande a atacar o STF, antecipando a possibilidade de uma prisão? Ao mesmo tempo, Tarcísio tem pouca margem de manobra. Ele só é governador porque Bolsonaro assim o decidiu.

Uma multidão na Paulista — repito — não dará ao ex-presidente uma folga nas investigações, mas pode ampliar o volume da grita dos políticos contra o STF no Congresso e estancar a corrida de ex-assessores para confirmar os planos de golpe. Num cenário possível, Bolsonaro pode ser em 2026 o que Lula foi em 2018: um líder popular que da prisão é capaz de levar 45% dos brasileiros a votar em seu candidato. Não é pouca coisa, mas a história não costuma se repetir como drama.

É impossível calcular a medida do sucesso de uma manifestação apenas com público. O histórico “comício de 1 milhão” a favor das eleições diretas em 1984 reuniu, na verdade, 400 mil pessoas. Mesmo assim foi decisivo para provar o desgaste do regime militar, que cairia menos de um ano depois. A mobilização em março de 2015 que chacoalhou o governo Dilma teve “só” 210 mil pessoas, e o impeachment só se tornou inevitável quando, um ano depois, 500 mil pessoas ocuparam a Paulista. Em 7 setembro de 2021, quando Bolsonaro chamou Alexandre de Moraes de “canalha” e ameaçou intervir no STF, havia na Paulista 125 mil pessoas, um fracasso que lhe obrigou a recuar no dia seguinte (os números deste parágrafo são todos do Datafolha).

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O que vence o debate político não é o número de pessoas, mas a versão mais forte. Qualquer fotógrafo amador sabe transformar um protesto de 2.000 pessoas em um “mar de gente”, mas qualquer vereador sabe quando está distribuindo imagens de um comício de sucesso ou de fracasso.

Sem o dinheiro do governo federal, Bolsonaro vai depender da mobilização das igrejas pentecostais, da máquina do governo e da Prefeitura de São Paulo e do dinheiro do agro para organizar um ato impressionante. E, depois, do poder dos órgãos de mídia amigos, para que sua versão saia da bolha extremista e influencie a política.

A Avenida Paulista tem aproximadamente 2,8 quilômetros de extensão e uma largura máxima de 47 metros, numa área total de 130.000 metros quadrados, incluindo aí canteiros, pontos de ônibus e trechos em obras. Em multidões concentradas, estimam-se quatro pessoas por metro quadrado (sete equivalem ao aperto do metrô na estação da Sé às 18h30). Em números: se levar, digamos, 200 mil pessoas ao seu comício — um número expressivo, como visto no primeiro parágrafo —, Bolsonaro irá demonstrar sua popularidade, mas não mudará a correlação de forças com o STF.

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