Bolsonaro trouxe a crise da inflação para seu gabinete
Com suas declarações sobre o preço do arroz, o presidente se colocou como parte do problema e não da solução
Existe uma regra não escrita sobre as declarações presidenciais: não se fala sobre o que não se pode resolver. Num sistema presidencial e personalista como o brasileiro, a sociedade (justa ou injustamente) espera soluções do chefe do Executivo, não constatações. A solidariedade e a empatia com os dramas alheios são obrigatórias, mas o eleitor gosta mesmo é de resultado. Ninguém gosta do técnico que comemora empate.
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Clique e AssineJair Bolsonaro trouxe para dentro do seu gabinete no Palácio do Planalto o problema da inflação de alimentos. Nesta quarta, 9, o IBGE divulgou que, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 0,24% em agosto, a alta nos preços da comida subiu 1,14%. A inflação de alimentos acumulada em doze meses está em 11,39%, quase quatro vezes maior que a inflação oficial do período.
Entre os itens que mais subiram em agosto, estão o tomate (12,98%), óleo de soja (9,48%) o leite longa vida (4,84%), frutas (3,37%), carnes (3,33%), e o arroz (3,08%). O arroz e o feijão, a combinação mais tradicional do brasileiro, subiu, respectivamente, 19,25% e 28,92%.
Os preços subiram por uma combinação de aumento de consumo (em função do aumento de renda com o auxílio emergencial), exportações para a China e a mais longa seca em décadas no Centro-Oeste. Nada disso é responsabilidade direta de Bolsonaro, mas o presidente convidou a crise para dançar.
Na sexta-feira, 4, Bolsonaro havia pedido que os supermercados fossem “patriotas” e evitassem repassar o aumento dos preços. Na segunda, 7, que eles reduzissem suas margens de lucro para zero. Hoje ele recebeu, no Palácio do Planalto, dirigentes da associação de supermercados.
Uma das alternativas estudada pelo governo é zerar as tarifas de importação de alguns itens da cesta básica para facilitar a entrada dos produtos estrangeiros, mas isso não resolve rapidamente o drama de quem está pagando R$ 40 por um quilo de arroz.
A inflação do arroz com feijão não tem solução no curto prazo. É sazonal, depende da conhecida lei da oferta e da procura, como foi a inflação do tomate no governo Dilma Rousseff, em 2013. Só que agora que Bolsonaro chamou a responsabilidade para si, vai ficar com o ônus. Em 2013, os memes de internet e reportagens sobre a inflação do tomate foram as primeiras indicações de insatisfação popular que derivaram nas Marchas de Junho.
A alta no preço da comida pode revelar ao eleitor a impotência de Bolsonaro em mostrar soluções justo no mês no qual o governo reduziu de R$ 600 para R$ 300 o valor do auxílio emergencial.