Não existiria Bolsonaro se antes não houvesse Donald Trump. E não haveria uma presidência Donald Trump se não houvesse Steve Bannon, o marqueteiro que rebaixou o padrão das campanhas eleitorais no mundo com o esgoto das mentiras, teorias de conspiração e manipulações pelas redes sociais. Foi a vitória da dupla Trump e Bannon nas eleições americanas de 2016 que ensinou o caminho para Carlos Bolsonaro montar a mais eficiente máquina de militância digital de intimidação da política brasileira.
Bannon foi preso acusado de corrupção. Ele foi indiciado por fraude por desviar dinheiro de um programa de doações para a construção de um muro na fronteira entre EUA e México, uma das promessas de Trump. A ação, chamada “Nós Construímos o Muro”, levantou US$ 25 milhões (R$ 141 milhões na cotação atual). Segundo as investigações, Bannon teria recebido mais de US$ 1 milhão (R$ 5,6 milhões).
No ótimo livro Engenheiro do Caos: Como as Fake News, as Teorias de Conspiração e os Algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, o cientista político italiano Giuliano Da Empoli descreve como Bannon liderou uma revolução na comunicação da extrema direita. Bannon, conta Da Empoli, entendeu que a política é derivada da cultura e que a primeira tarefa da extrema direita é sufocar e desacreditar a elite do jornalismo, do cinema e da academia e substituí-los por uma visão de mundo onde existem apenas dois lados, o deles e o errado.
Na campanha de Trump em 2016, Bannon fez de tudo. Foi o estrategista-chefe do final da campanha, comandou a infame Cambridge Analytica (empresa fechada depois de comprovadamente ter manipulado dados de usuários do Facebook), foi a cabeça da Breitbart News (a tropa que inventou 3 de cada 4 teorias de conspiração pró-Trump) e organizou o financiamento de milhares de trolls e blogueiros pelo leste europeu. Quando Trump venceu, Bannon ocupou o cargo de estrategista-chefe da Casa Branca, sendo demitido meses depois por tentar passar para a mídia a impressão de que mandava mais que o presidente.
Despejado da Casa Branca, Bannon passou a formar uma organização internacional de extrema direita, ajudando candidatos na Itália, Hungria, França, Israel e… Brasil. Ele conheceu Eduardo Bolsonaro ainda em agosto de 2018, quando segundo o brasileiro ele se ofereceu para ajudar “com ideias”. Ele contou por exemplo como a promessa de Trump de que, se eleito, iria prender Hillary Clinton por corrupção colocou os democratas na defensiva (eles pararam para explicar que o presidente não tem essa autoridade, enquanto Trump aumentava o tom das acusações).
À época, Bannon deu seu apoio formal a Bolsonaro. Foi a primeira personalidade pública fora do Brasil a assumir apoio à candidatura do capitão. Depois da vitória, ele ajudou a reforçar as análises sobre similaridades entre Bolsonaro e Trump ao comparar o presidente brasileiro com o americano. “Acho eles muito parecidos. Ambos são contra o sistema e têm essa habilidade de se conectar, de representar a classe trabalhadora e talvez a classe média baixa”. Em março de 2019, quando foi aos Estados Unidos, Jair Bolsonaro fez questão de a embaixada brasileira oferecer um jantar para “influenciadores”, incluindo Bannon e o youtuber Olavo de Carvalho (leia mais sobre as relações do marqueteiro preso hoje com os Bolsonaros na coluna Maquiavel).
A prisão de Bannon diz mais sobre o clima político americano, mas também abre lições para o Brasil. Quando há instituições independentes de controle, mesmo os mentirosos de maior sucesso podem, eventualmente, ser punidos.