A decisão de indicar o seu número 2 do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, para a diretoria de Política Monetária do Banco Central revela muito sobre o estilo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Em novembro, quando foi convidado por Lula para o cargo, Haddad tentou formar uma equipe ampla. Sondou vários nomes do mercado financeiro e recebeu um ‘não’ após o outro. Decidiu, então, montar uma equipe enxuta, de extrema confiança e cuja maioria dos membros já havia trabalhado juntos na Prefeitura de São Paulo. Não ouviu ninguém no PT, nem mesmo Lula, e contrariando a lógica de seus antecessores, não chamou para o gabinete servidores com experiência na burocracia interna do ministério.
“O time do Haddad”, como a equipe terminou sendo batizada em Brasília, se mostrou unido e impenetrável. Pela primeira vez desde o Plano Real um programa econômico, o novo arcabouço fiscal, foi gestado e divulgado com vazamentos mínimos na imprensa. As falas públicas de economistas heterodoxos como o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, e de fiscalistas, como o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, eram similares. As divergências ficaram só para conhecimento interno.
Nos primeiros dois meses de governo, Haddad foi bombardeado pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, admoestado por um seminário internacional no BNDES tirado do colete pelo economista André Lara Resende, visto com desconfiança pelo mercado e atropelado pelas declarações de Lula sobre juros e autonomia do Banco Central. O risco de Haddad não chegar como ministro da Fazenda na Páscoa eram reais. O mau tempo, no entanto, uniu o time.
Galípolo, um dos raros assessores que não havia trabalhado com Haddad anteriormente, mimetizou o chefe. Ao contrário dos secretários-executivos anteriores, Galípolo não ficou gerindo a burocracia do ministério e atuou paralelamente ao ministro. Quando ia ao Congresso, repetia a mesma argumentação de Haddad, às vezes replicando frases inteiras. A última vez que o Ministério da Fazenda teve um número 2 tão poderoso foi Nelson Barbosa no governo Dilma Rousseff 1, mas com uma diferença crucial: Barbosa era um contraponto ao ministro Guido Mantega. Galípolo é o doppelganger de Haddad.
Desde março, Lula tem dado seguidas demonstrações de delegação de poder a Haddad. Aprovou a volta do imposto federal sobre gasolina (contra a opinião de Gleisi Hoffmann), bancou o novo arcabouço fiscal (contra a opinião de quase todo o PT) e autorizou que Haddad fizesse as negociações das pautas econômicas com o Congresso, num trabalho paralelo ao dos ministros Alexandre Padilha e Rui Costa.
Nem tudo deu certo, porém. A paranoia do time de Haddad com vazamentos fez com os demais servidores do Ministério da Fazenda passassem a se sentir menosprezados. Com apenas dez assessores de confiança e um mundo de problemas, o time de Haddad ficou sobrecarregado. O mesmo assessor que busca novas formas de arrecadação nas renúncias fiscais precisa estudar casos internacionais sobre metas de inflação e comparar o ordenamento jurídico das parcerias público-privadas. Foi a falta de mãos que permitiu o erro de ninguém ter visto que o economista Rodolfo Fróes, o primeiro favorito para a diretoria do Banco Central que será ocupado por Galípolo, havia doado para a campanha do partido Novo em 2018, obstáculo intransponível para ter o apoio de Lula.
Operando como uma ilha independente do resto do governo, o time de Haddad eventualmente fica sem saber de ações presidenciais que influem na política econômica. No 1º de Maio, o presidente reiterou a promessa de conceder isenção de imposto de renda para os salários até R$ 5 mil – medida que custa mais de R$ 100 bilhões no Orçamento – sem que o ministro da Fazenda fosse informado. O decreto mudando o Marco do Saneamento e a ação judicial contra trechos da privatização da Eletrobras podiam até ser temas correntes nas conversas do governo, mas o timing não foi combinado e pode atrapalhar a aprovação da nova regra fiscal.
Essa distância de Haddad com o resto do governo, especialmente com o PT, ficou evidente na formulação da Regra Fiscal. Haddad mostrou o projeto a Roberto Campos Neto, Simone Tebet e Geraldo Alckmin, mas só apresentou a ideia aos ministros petistas Rui Costa, Esther Dweck e Alexandre Padilha horas antes de fazer a exibição formal ao presidente.
Depois do choque de descobrir que Lula 3 não seria um liberal na economia, a Faria Lima passou os primeiros dois meses criticando Haddad. Hoje, se enamorou do ministro e já o compara a Antonio Palocci, o eterno favorito do mercado. Na pesquisa Genial/Quaest de avaliação do governo com operadores do mercado, 86% têm avaliação negativa de Lula, apenas 4 pontos porcentuais a menos do que em março. Sobre Haddad, porém, a aprovação subiu de 10% para 26%.
Para o lugar de Galípolo, Haddad indicou Dario Durigan, advogado que (surpresa!) também foi seu assessor na Prefeitura de São Paulo. No governo Dilma, Durigan fazia parte do Clube do Largo São Francisco, o grupo de jovens advogados da USP que tocaram a Casa Civil nas gestões de Palocci, Gleisi Hoffmann e Aloizio Mercadante. Na nova função, Durigan deve dar um perfil mais administrativo à secretaria-executiva, deixando Haddad sozinho com os contatos com o presidente, outros ministros e congressistas.