A explosão do dólar na sexta-feira, o cancelamento da viagem do ministro Fernando Haddad no domingo e os temores com uma eventual vitória de Donald Trump nos Estados Unidos forçaram o presidente Lula da Silva a aceitar um pacote de ajuste fiscal para reduzir o crescimento de gastos com benefícios sociais, mudar o acesso a programas como o BPC e o Seguro Desemprego e reordenar os gastos públicos de Saúde e Educação. Nesta segunda-feira, Lula deve se reunir com Haddad e o ministro Rui Costa para discutir pontos jurídicos das duas Propostas de Emendas à Constituição que formam o eixo do ajuste. É factível supor que o anúncio ocorra do pacote ocorra nesta semana.
A intenção inicial de Lula era deixar o ajuste para depois do encontro dos chefes de governo do G-20 (entre os dias 18 e 19) e a visita de Estado do líder chinês Xi Jinping (a partir do dia 20). A prioridade de Lula era que Haddad se encontrasse nesta semana com líderes da França, Reino Unido e União Europeia para consolidar os acordos econômicos do G20, mas a possibilidade real de o dólar encostar nos R$ 6 nos próximos dias obrigou o Planalto a um inédito senso de urgência. Na sexta-feira, o dólar chegou a R$ 5,8698, o maior patamar desde maio de 2020, no auge da pandemia de Covid.
Embora Lula ainda tenha resistências à detalhes do pacote, as teses do Ministério da Fazenda se concentram em duas PECs.
A primeira PEC deve propor a inclusão de todos os gastos obrigatórios, exceto salário mínimo e previdência, debaixo das regras do Arcabouço Fiscal. Isso implicaria em segurar o índice de crescimento dos gastos dos benefícios sociais como o Seguro Desemprego e Abono Salarial e, inclusive, as emendas parlamentares a no máximo de 2,5% além da inflação. Entre 2023 e 2024 todos os itens citados cresceram acima disso.
Caso os gastos avancem acima desse patamar, o projeto prevê o acionamento de gatilhos para travar a despesa. Ainda há resistência do presidente sobre a inclusão do BPC nesta trava.
A segunda PEC deve tratar da desvinculação de receitas para aumentar a parcela do Fundo de Educação Básica (Fundeb) nos gastos mínimos de educação (hoje limitados em 30%), incorporar o programa Pé de Meia (de incentivo à estudantes de Ensino Médio) no Orçamento e considerar dentro dos gastos mínimos de saúde o valor das emendas parlamentares para o setor. É uma medida burocrática que dá mais flexibilidade para o governo gastar e abre uma folga dentro do Orçamento na casa dos R$ 30 bilhões.
Há outras medidas que devem ser enviadas como projeto de lei, como limites para o número de famílias receberem de um benefício social e mudanças nos critérios para entrada no BPC e Seguro Desemprego.
É uma agenda impopular e contraditória com os discursos do governo, mas que a realidade impôs ao presidente. Se como se diz na diplomacia, se apenas um anticomunista ferrenho Nixon poderia ir à China nos 1970, só um governo de esquerda poderia propor e aprovar no Congresso um programa de ajuste nos gastos sociais deste tamanho.
Mesmo o maior adversário de Haddad no governo, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, concedeu que o crescimento das despesas obrigatórias vai asfixiar a capacidade de o governo investir, incluindo a sua principal bandeira, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Erroneamente, o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda consideraram a reação do recorde do dólar na sexta-feira como uma antecipação à possível vitória de Donald Trump na eleição dos EUA. Na verdade, o desempenho do real foi pior que o das moedas dos principais mercados latino-americanos (Colômbia, Chile e México) porque aqui o mercado cansou de esperar e entrou na aposta de que o pacote de medidas será too little, too late.
O erro de avaliação do governo é achar que a Faria Lima é intrinsecamente contra o PT. A maior parcela de fato é, mas esses já estavam apostando contra o real desde a posse de Lula. Quem agora está passando a operar contra o Brasil é quem até meses atrás apostava a favor. Com a demora em fazer o ajuste, o governo Lula perdeu quem lhe deu o benefício da dúvida. Vai ser difícil recuperar essa turma e, sem essa boa vontade, será impossível baixar o dólar com ou sem a eleição de Trump.