Sucesso infantil, ‘My Little Pony’ prega união e detona o preconceito
Desenho disponível na Netflix é um conto sobre amizade, mas alude a temas como xenofobia, intolerância e desinformação
Em algum ponto do planeta, uma comunidade isolada pelo medo vive na iminência de uma invasão “estrangeira”, que ameaça colocar fim à existência de toda uma espécie. Qualquer um além dos muros é tido como inimigo, e deve ser mantido distante com a ajuda de uma série de aparatos tecnológicos, como bloqueadores de pensamentos e jaulas automáticas. A trama poderia ser premissa de uma distopia futurista que escancara questões políticas e sociais dos seres humanos, mas é apenas a história de My Little Pony: New Generation, desenho que figura entre os mais assistidos da Netflix nesta semana. Destinada às crianças, a produção é, sobretudo, um conto de amizade e tolerância. Mas, aos olhos de um adulto atento, deixa escapar mensagens sobre temas profundos, como xenofobia e neofascismo.
Protagonizada pela idealista Sunny Starscout, dublada por Vanessa Hudgens, a história se desenrola em um universo em que pôneis, unicórnios e pegasus enfrentaram uma guerra que os separou para sempre. Em Equestria, os pôneis aprendem na escola que unicórnios são capazes de ler seus pensamentos, e que os vizinhos voadores sequestram crianças em um rasante. Filha de um pesquisador progressista, que é acusado por conservadores “anti-magia” de “enfiar caraminholas” na cabeça dos pequenos, Sunny se recusa a acreditar na narrativa, e envia uma carta às espécies-irmãs pedindo que se tornem amigos novamente. Quando uma unicórnio simpática atende ao seu chamado e aparece na cidade, os ânimos se exaltam, e os habitantes passam a perseguir a visitante sem dar a ela nem sequer a chance de se apresentar. As duas, então, embarcam rumo à cidade dos pegasus e acabam descobrindo que a mágica foi extinta e que as histórias que ouviram uns sobre os outros a vida toda não passam de desinformação, aliada a altas doses de medo – ou preconceito – de quem é diferente.
Isolados uns dos outros, pôneis, pegasus e unicórnios desconhecem a realidade de seus irmãos e são levados a acreditar em uma imagem moldada por estereótipos sempre negativos. Em um paralelo com a realidade, os pequenos animais, na mesma lógica do racismo, são reduzidos às suas características físicas, e sua cultura – seja ela a peculiaridade de voar, seja a de fazer mágica com chifres brilhantes – é tida como uma ameaça instantânea. É algo que faz lembrar, por exemplo, o preconceito contra muçulmanos crescente na Europa e Estados Unidos, sempre fomentado pelo medo do terrorismo. O desenho também não foge às críticas ao autoritarismo – enquanto o grupinho de Sunny tenta recuperar a mágica e unir as tribos novamente, um pônei terrestre assume o posto de xerife com um golpe, e convoca um exército que reprime os ativistas com tanques de guerras e marchas militares.
Outro tema em alta que também aparece nas entrelinhas é a crítica à imagem passada pela elite endinheirada. Governados por uma família real, os pegasus acreditam que apenas seus governantes têm o poder de voar, mas tudo não passa de uma farsa muito bem arquitetada para manter a população na linha, colocando a elite em posição de superioridade em relação aos reles plebeus. Eventualmente, até os mais radicais acabam caindo em si e percebem que a idealista Sunny estava certa o tempo todo: nada como amizade e união para fazer do mundo um lugar melhor para todos.
Confira o trailer: