Retorno do ‘Linha Direta’ faz mea-culpa de sensacionalismo no caso Eloá
Programa apontou erros da polícia e também da mídia televisiva, que transmitiu o sequestro ao vivo e interferiu nas negociações
“Em 2008, em um condomínio de Santo André, perto da capital de São Paulo, desenrolou-se um drama real que foi acompanhado pelo país inteiro como uma novela ou um reality show, enquanto a vida de uma menina de 15 anos estava em jogo.” Dita por Pedro Bial no retorno do Linha Direta, de volta à Globo depois de 15 anos fora do ar, a frase introduziu o caso de Eloá Pimentel, morta pelo ex-namorado Lindemberg Alves após mais de 100 horas de sequestro. Com depoimentos de agentes envolvidos na negociação, jornalistas e pessoas próximas da família, o programa reconstruiu o crime que foi transmitido ao vivo na televisão — apontando os erros da polícia e um mea-culpa da cobertura sensacionalista da época, que atrapalhou as negociações com o sequestrador.
Sem citar nomes, o promotor do caso, Antonio Nobre Folgado, menciona a interferência de Sônia Abrão, que falou ao vivo no telefone com Lindemberg durante o programa A Tarde É Sua. “No dia 15 à tarde, havia um acordo feito entre o capitão do Gate, o irmão da Eloá, o Douglas, e o próprio Lindemberg pra ele se render. Pouco tempo depois, entra essa apresentadora e tenta resolver ela própria a situação. O Lindemberg percebe que está ao vivo pro Brasil inteiro e resolve prolongar a situação porque ele era o centro das atenções”, explica o promotor. A revelação levou o nome de Sonia Abrão aos assuntos mais comentados do Twitter nesta sexta-feira, 5, revivendo críticas em relação à postura da apresentadora no caso de desfecho trágico.
Embora o telefonema de Abrão a Lindemberg tenha ficado marcado como símbolo da cobertura do caso, ela não foi a única. “Há duas instituições que cometeram erros. A polícia e a mídia”, declarou Pedro Bial, dando destaque aos programas televisivos que transmitiram o sequestro ao vivo. Segundo o promotor do caso, a programação em tempo real, que podia ser acompanhada pelo próprio Lindemberg pela TV, matou o fator surpresa da invasão, atrasando a entrada da polícia e dando tempo ao sequestrador para atirar nas garotas. “Olhando em perspectiva depois desses anos todos, fica claro pra mim um incomodo com essas transmissões ao vivo. As emissoras como um todo fizeram do caso Eloá quase um reality”, declarou o jornalista César Tralli, que participou da cobertura.
Apesar da boa vontade de apontar os erros da polícia e da própria televisão, o programa revela uma ironia: ao criticar a espetacularização do caso, o Linha Direta reconstitui em detalhes um momento doloroso para a família. Nas redes sociais, Cintia Pimentel, cunhada de Eloá, se manifestou sobre a situação. “Existiram sonhos, anseios, sorrisos, planos, histórias e muito mais coisas positivas que poderiam deixar a memória sempre viva nessa e em outras gerações. Mas não, preferem a dor, preferem resumir a história somente ao que traz à tona os piores momentos da vida de alguém”, escreveu no Instagram. “Espero que isso sirva ao menos para sensibilizar o país e mostrar que algumas leis precisam ser revistas. Que Deus, novamente, console o coração dos que agora estão revivendo essa dor”.