O sonoro “e daí?” proferido por Jair Bolsonaro na terça-feira, 28, ao ser confrontado com as mais de 5.000 mortes por Covid-19 no Brasil gerou indignação nas redes sociais, mas não é de hoje que o presidente dá declarações no mínimo infelizes sobre a pandemia que já matou mais de 200.000 pessoas no mundo. Não à toa, o líder brasileiro surge como exemplo de suprema ignorância frente à gravidade da situação pela qual o mundo passa no documentário Explicando… O Coronavírus — parceria entre a americana Vox Media e a Netflix, que estreou na plataforma no domingo, 26 — ao se referir ao vírus mortal como “muito mais uma fantasia”.
A declaração surge logo no primeiro minuto da produção e coloca o presidente em uma espécie de “lista da vergonha” que se abre com uma fala do primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte, pouco antes de a Itália se tornar epicentro do surto, afirmando que tudo estava sob controle no país. No mesmo balaio, cabem ainda os delírios do presidente iraniano Hassan Rohani – que asseverou que tudo não passava de uma conspiração dos inimigos para fechar sua nação. Ou o inglês Boris Johnson (antes de ser infectado e ir parar na UTI com coronavírus, claro) recomendando que a população do Reino Unido seguisse a vida normalmente, e um Donald Trump arrependido ao afirmar que ninguém imaginara uma pandemia dessas proporções. No outro extremo, os primeiros-ministros do Canadá e da Índia, Justin Trudeau e Narendra Modi, respectivamente, são condecorados por falas em apoio à ciência e ao isolamento social, enquanto a Coreia do Sul é tida como país-modelo pela ampla testagem da população.
O episódio de 26 minutos faz parte da série Explicando – que, como o próprio nome indica, se propõe a explicar de maneira simplificada temas diversos. O negacionismo de Trump é rapidamente contrariado pela afirmação de cientistas que já alertavam para o risco de uma nova pandemia. No lado da lucidez em relação ao problema, há o milionário Bill Gates, fundador da Microsoft, que surge com declarações quase premonitórias. “Se pensarem em algo que pode acontecer e matar milhões de pessoas, nosso maior risco é uma pandemia. Em termos de mortalidade, uma pandemia competiria até com as guerras colossais do passado. A economia pararia, os custos à humanidade seriam inacreditáveis e nenhum país seria imune aos problemas que isso traria”, afirmou ele em um vídeo de 2019 recuperado de um episódio anterior da série.
Nas cenas que se seguem às falas delirantes dos políticos, o novo coronavírus é apresentado ao espectador através de ilustrações que remontam sua origem, relacionando-o a outros patógenos da mesma família, como o responsável pela epidemia da SARS em 2002. A série, aliás, desconstrói a ideia erroneamente difundida por negacionistas de que epidemias do passado como a de H1N1, ou mesmo a da SARS, mataram bem mais do que a Covid-19 – colocando-a, na verdade, bem mais próxima à Gripe Espanhola, que ceifou mais de 50 milhões de vidas entre 1918 e 1920.
A produção, enfim, foca nos descrentes — para quem acompanha assiduamente a pandemia nos jornais, não há muitas novidades. Um comparativo entre duas cidades dos Estados Unidos — uma que aplicou a quarentena durante a gripe espanhola e outra que não seguiu a medida — explica como funciona o achatamento da curva, e tenta convencer os mais resistentes da necessidade do isolamento social. Cenas do sistema de saúde italiano saturado exemplificam sem delongas o caos causado pela falta de controle da pandemia. Desconstroem-se ainda a ideia de remédios milagrosos e a dificuldade na fabricação de vacinas, alternativa mais esperançosa para o fim da doença. Se faltava desenhar para que as pessoas entendessem, agora não falta mais.