Ao entrar na pandemia, ‘Amor de Mãe’ se torna extensão do Jornal Nacional
Folhetim retorna à grade da Globo com capítulos inéditos, devidamente ambientados no duro cotidiano da vida real

Lurdes (Regina Casé) borrifa três, quatro jatos de álcool em um chuchu, passa para Magno (Juliano Cazarré) que enxuga e devolve para Érica (Nanda Costa) que guarda o mantimento em um armário. E assim sucessivamente com o tomate, o detergente, e outros produtos. Lurdes observa que falta um ingrediente: “Cadê meu coentro?”, pergunta ao filho mais novo Ryan (Thiago Martins), que se debruça sobre um tanque lavando as mãos e os antebraços. O menino, que tinha acabado de voltar das compras, se esqueceu do item considerado indispensável pela mãe. Colocando a máscara, ele, então, vai novamente em direção ao mercado. A cena, parte do retorno da novela Amor de Mãe, na noite desta segunda-feira, 15, é um exemplo dos mais certeiros sobre a vida do brasileiro no “novo normal” — e uma das poucas situações risíveis em meio à pandemia.

Após um ano suspensa, devido à pandemia de Covid-19 no Brasil, a novela das 9 da Rede Globo deu o pontapé inicial no retorno dos folhetins com capítulos inéditos. A nova fase é resultado das gravações retomadas cinco meses após a parada obrigatória, seguindo todos os protocolos de saúde: máscaras dentro e fora dos estúdios, álcool em gel, testes de Covid-19, divisórias de acrílico e uma quarentena prévia de 15 dias em hotéis para os pares românticos da trama atuarem agarradinhos.
Quando decidiu parar as máquinas, em março de 2020, a autora Manuela Dias, continuou escrevendo capítulos inéditos, mas logo percebeu que não inserir o coronavírus na trama seria perder o realismo cativante que pautou a primeira fase da novela. Assim, Amor de Mãe assumiu o risco de se mostrar um reflexo de uma realidade que muitos querem esquecer. Para piorar, o retorno do folhetim se deu em um novo pico da pandemia. Como esperado, o assunto dominou o Jornal Nacional, exibido antes da novela, que acabou sendo uma extensão do noticiário ao retratar a vida como ela é.

Não se pode negar, contudo, que está no DNA das novelas brasileiras, especialmente na faixa das 9, tocar em assuntos cotidianos. Alcoolismo, transexualidade e racismo, por exemplo, já foram amplamente abordados pelos folhetins. Assim, Amor de Mãe andou sobre uma linha tênue: ignorar a pandemia seria uma ingenuidade, mas abraçar o assunto pode afastar espectadores em busca de escapismo. Fica então o questionamento: será que o brasileiro tem anticorpos suficientes para lidar com essa avalanche de coronavírus televisivo? Dúvida que os números da audiência devem responder.
- Leia também: Economia do Brasil sofre com gestão da pandemia e encolhe diante do mundo