Já estou me preparando para ouvir novamente nos próximos dias, a propósito do 11 de setembro que se aproxima, que a queda das Torres Gêmeas foi na verdade uma obra da CIA. Faço isso relendo o romance “O papagaio de Flaubert”, de Julian Barnes.
Nesse livro, entre outras sacadas brilhantes, o escritor inglês que tem reputação de francófilo apresenta a teoria do afogamento do sentido. O narrador da história, um velho médico apaixonado por Gustave Flaubert, dedica-se a esmiuçar a obra do autor de “Madame Bovary” à procura de “referências submersas” que o ajudem a entender sua biografia, que considera decepcionantemente mundana e sem brilho. Até que, em determinado momento, teme ter cruzado uma fronteira perigosa. “O ponto em que você suspeita estar lendo além da conta numa história”, anota, “é quando se sente mais vulnerável, isolado e talvez estúpido.” E completa: “Quão submersa precisa ser uma referência antes de se afogar?”
Eis um achado do simancol analítico, produto que nunca fez mal a ninguém – e uma prova de que Barnes, embora francófilo, é inglês mesmo. A referência afogada é uma metáfora de todas as conspirações imaginárias, todas as motivações inconfessáveis, todos os elos ocultos entre fatos aparentemente isolados que tendemos a ver como aquilo que no fundo dá sentido ao mundo – já que no raso, como se sabe, esse sentido costuma ser escasso.
Alguém já disse que a paranóia é a apoteose da lucidez. Pode ser. Se Paul McCartney morreu, Elvis está vivo e o 11 de setembro foi um tiro dado pelos americanos no próprio coração, tudo é possível. Quem negaria, por exemplo, se o erro lhe custasse a vida, que todos os resultados de esportes de alto nível – como ouvi outro dia de uma pessoa sensata – são manipulados?
Teorias conspiratórias são o último refúgio da dignidade de quem não está entendendo mais nada. O único problema, como lembra Julian Barnes, é o sentido se afogar.