Uma das formas mais ridículas de censura é aquela que se tenta fazer aos dicionários, como se lhes coubesse um papel de invenção – e não de simples registro – do vocabulário de uma língua. A última piada perigosa do gênero vem do sul da Califórnia, nos EUA, onde exemplares da décima edição do prestigioso Merriam-Webster foram recolhidos das salas de aula depois que um grupo de pais de alunos se escandalizou com sua definição de “sexo oral”, considerada “sexualmente gráfica”.
Cheguei a imaginar que o lexicógrafo tivesse se excitado, abusando do colorido vocabular, mas não. A tal definição não podia ser mais, digamos, hmm, seca: “estimulação oral dos órgãos genitais”. Será possível dizer menos do que isso sem trair a função básica de um dicionário?
O caso me lembrou a denúncia feita por um grupo de cidadãos brasileiros de origem judaica ao Ministério Público Federal, alguns anos atrás, contra os conselhos editoriais dos dicionários Houaiss e Aurélio, alegando que uma das acepções do vocábulo “judeu” registrada por ambos era ofensiva: “indivíduo mau, avarento, usurário, papa-terra” (Aurélio) e “pessoa usurária, avarenta” (Houaiss).
Acho a reação desses cidadãos brasileiros muito mais compreensível que a dos pais californianos, pela razão simples de que a dignidade cultural ou étnica é um valor elevado, enquanto o puritanismo não é. Mas isso não quer dizer que a reação se justifique. No desfile de vilezas culturais embutidas na língua – que os dicionários não inventaram, mas são obrigados a registrar – judeu é usurário como polaca é prostituta, japonês é parasita, portuga é grosso e baiano é ignorante.
Tudo isso é feio, não se discute, tanto que os lexicógrafos destacam o caráter pejorativo dessas acepções. Mas não é mais feio do que achar que a realidade ficará mais bonita (ou casta!) se censurarmos dicionários.