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Sobre Palavras

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Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.
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O procurador que não acha nada e o que acha demais

Em junho do ano passado, a Palavra da Semana foi procurador, que agora faz sua volta triunfal, mas desta vez por um motivo diferente. Na época, talvez tenha faltado ao procurador justamente a disposição de procurar, enquanto esta semana, de tanto procurar, ele achou até o que não existia. Convém explicar. Quem motivou o post […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 09h24 - Publicado em 3 mar 2012, 10h30

Em junho do ano passado, a Palavra da Semana foi procurador, que agora faz sua volta triunfal, mas desta vez por um motivo diferente. Na época, talvez tenha faltado ao procurador justamente a disposição de procurar, enquanto esta semana, de tanto procurar, ele achou até o que não existia.

Convém explicar. Quem motivou o post do ano passado, intitulado “O procurador procurou?”, foi o procurador-geral da República ao arquivar as representações contra o então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci.

Desta vez, coube ao procurador Cléber Eustáquio Neves enxergar racismo numa das acepções da palavra “cigano” que constam do dicionário Houaiss, ignorando que o papel dos lexicógrafos é registrar objetivamente os sentidos que os vocábulos vão acumulando ao longo da história.

Nos dois casos, procurando demais ou de menos, o fato é que a palavra procurador não carrega – apesar das aparências – o sentido de alguém que busca algo, e sim o daquele que cuida de algo. Como? Republico abaixo o argumento principal daquele post, que acredito deixar clara a distinção.

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Embora sejam derivados no fim das contas do mesmo termo latino, procurare, o substantivo procurador e o verbo procurar, com o sentido de “buscar, empenhar-se em encontrar”, foram se distanciando semanticamente ao longo dos séculos.

O procurador permaneceu próximo do sentido original de procuratoris: “o que está encarregado de alguma coisa, o que tem a seu cargo um cuidado, o que administra”, segundo o dicionário Saraiva. Vêm daí tanto a acepção de “advogado que zela pelos interesses do Estado” – de onde saiu o nome do cargo ocupado por Gurgel – quanto a de “alguém que tem procuração, isto é, autorização para administrar os negócios de outra pessoa”.

Não fica claro quando foi que procurare, que no latim clássico se limitava ao campo semântico acima, acabou por adquirir o sentido que hoje é hegemônico em português. O certo é que ao desembarcar aqui, no século 14, a palavra já tinha esse significado.

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Se as datas são nebulosas, não é difícil entender a lógica de tal transformação. O procurador e a procura trazem embutidos o termo latino cura, isto é, “cuidado, zelo, administração, supervisão”. A mesma palavra e a mesma ideia que estão presentes na cura do vocabulário médico, no cura do vocabulário religioso, na curadoria do vocabulário artístico e na curiosidade do vocabulário de todo mundo.

É justamente na curiosidade que, se formos curiosos, vamos encontrar as pegadas deixadas pelo verbo “procurar” ao se distanciar de sua origem administrativa para ganhar o sentido investigativo hoje dominante. Saraiva de novo: curiositatis é “cuidado, diligência em buscar uma coisa… busca, procura cuidadosa… desejo, empenho de saber, conhecer, achar, descobrir”.

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