O sentido hoje corrente da palavra clichê – “lugar-comum, chavão” – surgiu por uma extensão figurada de seu significado original. A princípio, no francês do início do século 19, o termo era tecnicamente preciso e pertencia ao vocabulário das artes gráficas: o verbo clicher, do qual saiu mais tarde o particípio clichê, queria dizer produzir um estereótipo, ou seja, uma placa inteiriça de metal, geralmente de zinco, gravada em relevo a partir de uma matriz e destinada à impressão de textos e imagens.
Tudo indica que a palavra francesa nasceu com inspiração onomatopaica, como imitação do som (clichhh) que fazia a matriz ao cair no metal fundido. No entanto, o Trésor de la Langue Française não recomenda descartar a influência – menos provável, mas nunca se sabe – de uma palavra também onomatopaica do alemão medieval, Klitsch, “massa mole”.
Seja como for, é evidente a relação semântica da chapa de metal gravada por estereotipia com a expressão verbal destituída de originalidade, um sentido que a palavra clichê adquiriu perto do fim do século 19: ambas carregam a ideia de algo produzido em série, de repetição indefinida do mesmo discurso. A diferença é que a fidelidade da cópia, que era desejável na artes gráficas, tornou-se pejorativa quando aplicada às lides intelectuais.
É curioso observar que a palavra estereótipo, sinônimo perfeito de clichê em sua acepção original (e a única recomendada pelos puristas, que consideravam a segunda um torpe galicismo), também desenvolveu uma acepção depreciativa, mas ligeiramente diferente. Se clichê denuncia na maior parte das vezes a repetição viciosa de fórmulas no âmbito da expressão, estereótipo é mais empregado em referência à repetição viciosa de fórmulas no âmbito das ideias.
Se ainda resta alguma dúvida sobre o sentido de clichê, recomendo ler o texto abaixo, chamado “Num piscar de olhos, o lugar-comum”, que publiquei aqui na coluna em dezembro de 2010:
É preciso abrir o olho com o lugar-comum. Ele dá mais que chuchu na cerca no texto do escritor que não faz das tripas coração para reduzi-lo a pó. De repente, num piscar de olhos, é tiro e queda: lá está o clichê, a frase feita, a expressão convencional deitada no berço esplêndido das mal-traçadas. E pouco importa que o autor seja dono de uma cultura invejável – o lugar-comum ataca gregos e troianos, penetrando insidiosamente em corações e mentes.
O preço da ausência de clichês é a eterna vigilância. Sem suar em bicas, sem trabalhar de sol a sol, nenhum escritor digno desse nome pode se considerar a salvo de seu doce veneno. Eu disse doce? Sim, doce, porque um lugar-comum que se preze é chinelo velho para pé cansado, o que equivale a dizer que proporciona ao usuário uma nítida sensação de prazer e conforto.
No entanto, nunca se deve perder de vista que esse amor bandido, no fundo um santinho do pau oco, está sempre pronto a nos privar na calada da noite e com um drible seco e desconcertante de nosso mais precioso bem, a originalidade da expressão, nos deixando de mãos abanando e a ver navios no inverno tenebroso da linguagem.