A palavra motoboy é a melhor prova de que a questão da “invasão” de nossa língua por termos vindos do inglês é mais complicada – e ao mesmo tempo menos alarmante – do que julga aquele deputado gaúcho. Não parece, mas trata-se de um vocábulo genuinamente brasileiro, ainda que leve em sua confecção uma peça importada.
Surgido provavelmente em São Paulo e disseminado em todo o país em 1998 na esteira dos crimes de Francisco de Assis Pereira, o “maníaco do Parque”, que tinha essa profissão, o termo motoboy não existiria se o papel do português nesse comércio linguístico fosse o de importador servil. Ocorre que a importação, que às vezes conserva a fidelidade ao sentido original, em outras o deforma até torná-lo irreconhecível a qualquer anglófono militante. É o caso de outdoor, em inglês um adjetivo que significa “ao ar livre” – o que chamamos de outdoor eles chamam de billboard. Mas motoboy vai além até mesmo da deformação.
Ron Martinez, um americano radicado no Recife, lançou em 2004 um livrinho curioso chamado “Inglês made in Brasil” (Campus), em que lista quatro centenas de palavras desse tipo. Motoboy é um dos casos mais significativos por se tratar, como ele diz, de “termo 100% brasileiro (…), uma adaptação da expressão, também brasileira, office boy”. Martinez acrescenta que em inglês, em vez de office boy, usava-se delivery boy ou messenger boy até que a onda politicamente correta fez todo mundo trocar boy por person, mas essa é outra história.
Delivery boy tem um equivalente vernacular: contínuo. Mas já imaginou a confusão que seria chamar sua versão motociclista de moto-contínuo – que, como se sabe, é outra coisa? Em vez de um idioma enfermiço atacado por vírus estrangeiros, o caso da palavra motoboy joga luz sobre uma língua que, em pleno vigor criativo, trabalha com peças de qualquer origem que estejam à disposição.