Hoje é dia de entrar na “cabina indevassável”, como o Tribunal Superior Eleitoral insiste em chamar “o pequeno resguardo, geralmente feito de papelão corrugado, ou outro material de baixo custo, dentro do qual o eleitor assinala em sigilo seu voto na cédula oficial de votação [ou na urna eletrônica], nas eleições para todos os níveis, antes de depositá-la na urna de votação”. Em Lisboa fazem a mesma coisa.
A definição acima foi tirada do glossário disponível no site do TSE. O verbete explica ainda: “O Código Eleitoral e toda a legislação eleitoral empregam a expressão ‘cabina indevassável’, ou, algumas vezes, ‘cabine indevassável’…”.
Infelizmente, a ordem dos fatores está invertida, em grave desacordo com a língua portuguesa que se fala no país. A forma preferencial deveria ser “cabine”, com “cabina” tendo no máximo um papel de variante. A terminação em “e” para galicismos desse tipo é uma opção tão clara do português brasileiro que está além da consagração, embora nossos dicionaristas ainda relutem, tímidos e lusocêntricos, em ser fiadores disso.
Em Portugal se fala madama; no Brasil, madame. Mas o Aurélio não gosta disso e diz que a primeira forma é preferível. Com cabina e cabine se dá o mesmo. Pior é descobrir que o mais popular dicionário brasileiro nem sequer reconhecia até o início deste século a existência da palavra vitrine: para ele, o nome daquele mostruário envidraçado na porta das lojas era vitrina e pronto. O Houaiss, um pouco menos subserviente aos filólogos de além-mar, prefere madame e cabine, mas também derrapa na vitrina, o que deixa no ar uma impressão incômoda de incoerência. São só nuances? Não: segundo nossos dicionaristas, são, de preferência, só nuanças.
Não é a primeira vez que digo isso, mas vale repetir: se o Chico, que de língua entende um pouco, canta “nos teus olhos também posso ver/ as vitrines te vendo passar”, mas o Aurelião torce o nariz para a palavra, cabe a nós decidir com que Buarque de Holanda preferimos ficar.