A palavra crise chegou ao português no século XVIII, a princípio no vocabulário da medicina, para designar o momento na evolução de uma doença em que ela se define entre o agravamento – e a morte – ou a cura – e a vida. O vocábulo vinha do latim crisis, “momento decisivo”, decalque do grego krísis, “decisão”, que Hipócrates, chamado de “pai da medicina”, já empregava com esse sentido. (A ideia de decisão, de separar o bom do ruim, explica que o crítico de arte seja chamado assim.)
De acordo com o Houaiss, foi só no século XIX que a palavra passou a ter amplo emprego no vocabulário da economia, embora o dicionário de Douglas Harper afirme haver registros do uso do inglês crisis fora da terminologia médica – para nomear diversas “doenças” figuradas – desde o século XVII.
De todo modo, a lenda etimológica que acompanha a crise como uma sombra não se relaciona ao vocábulo português, que tem uma história bem clara, e sim ao termo chinês correspondente a ele. Quase todo mundo já ouviu essa história, um mito contemporâneo especialmente caro a consultores e palestrantes: o chinês weiji, “crise”, seria um ideograma formado pela junção de dois outros – um negativo, “perigo” (wei), e um positivo, “oportunidade, ocasião propícia” (ji).
Ou seja, cabe a cada um de nós pegar o limão e fazer uma limonada.
Dizem que o presidente americano John Kennedy (foto, 1917-1963) foi o maior propagador dessa pérola da tal “milenar sabedoria chinesa”, usando-a em seus discursos para levantar o ânimo do eleitor e demonstrar que crises também têm um lado bom. Uma pérola que, infelizmente, tudo indica ser tão falsa quanto as de um colar de camelô made in China.
Acadêmicos de mandarim observam que, embora signifique mesmo oportunidade quando se junta a hui para formar jihui, o ideograma ji está longe de ter conotação positiva ao ser tomado isoladamente. Entre os sentidos que pode assumir está o de “momento crucial”. Ou seja, “momento crucial de perigo” – e não “perigo e oportunidade” – seria a tradução literal de weiji.