A complicada governabilidade argentina
Se você acha o Brasil um país complicado de governar, bem-vindo à Argentina. As complicações de nossos colegas de continente vão muito além das políticas intervencionistas mal-sucedidas do casal Kirchner nos últimos doze anos. A estrutura institucional da política argentina dificulta a implementação de políticas públicas estáveis, minimamente garantidas pelos atores sociais e políticos relevantes. […]
Se você acha o Brasil um país complicado de governar, bem-vindo à Argentina. As complicações de nossos colegas de continente vão muito além das políticas intervencionistas mal-sucedidas do casal Kirchner nos últimos doze anos. A estrutura institucional da política argentina dificulta a implementação de políticas públicas estáveis, minimamente garantidas pelos atores sociais e políticos relevantes. A Argentina vive, na prática, o que o Brasil é injustamente acusado de ser: uma democracia pouco funcional, que dá poder demais ao presidente.
Até onde sei, o melhor livro sobre política argentina é “The institutional foundations of public policy in Argentina”, de Pablo Spiller e Mariano Tommasi. Eles explicam como a capacidade de atores políticos firmarem compromissos estáveis ao longo do tempo afeta a qualidade das políticas públicas. “Qualidade” nada tem a ver com o conteúdo da política – ou seja, pouco importa se é intervencionista ou pró-mercado. Significa, no caso, quão estáveis, críveis, ajustáveis e bem implementadas elas são. Na Argentina, estão mal em todos esses quesitos.
Os parlamentares argentinos têm poucos incentivos para firmar coalizões com o presidente. O principal motivo é o poder dos governadores, resultante do sistema eleitoral de representação proporcional com lista fechada. “Lista fechada” significa que o eleitor pode votar apenas na legenda partidária. Uma vez contabilizados os votos, digamos que um partido tenha direito a cinco assentos na Câmara dos Deputados. Serão eleitos os cinco primeiros da lista pré-definida pelo partido – no Brasil, não há essa definição prévia, daí a “lista aberta”. Nesse sistema, os governadores influenciam muito a definição das listas dos partidos. Consequentemente, influenciam o comportamento parlamentar mais do que o presidente.
Daí decorre um dos principais problemas da política argentina: o fato de que o presidente, dotado de invejável poder de decreto, precisa negociar com governadores e parlamentares suas políticas de médio e longo prazo. Afinal, o poder de decreto permite que ele consiga se dar bem a curto prazo, mas depois enfrentará oposição (via Congresso, Judiciário ou burocracia) e talvez não consiga implementar o que deseja.
Ora, “implementar” não significa aprovar leis e esperar os burocratas agirem? Sim, dizem Spiller e Tommasi, mas para isso é necessário que haja uma burocracia capacitada e estável. Na Argentina, nem os parlamentares nem o presidente têm incentivos para construí-la. Ambos se preocupam com o curto prazo, pelas características institucionais já explicadas. Assim, o presidente constrói uma “burocracia paralela”, repleta de cargos de confiança, para esvaziar as atribuições dos servidores concursados. E a burocracia partidária tem, é claro, fortes incentivos para usar o aparato estatal de modo corrupto.
Boa sorte ao governo Mauricio Macri.
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