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Santander não reabrirá Queermuseu apesar de recomendação do MPF

Procurador federal pediu reabertura imediata por entender que as obras 'não têm qualquer apologia ou incentivo à pedofilia'

Por Paula Sperb
Atualizado em 29 set 2017, 13h40 - Publicado em 29 set 2017, 11h23
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  • O Santander Cultural afirmou que não reabrirá a exposição sobre diversidade Queermuseu, em Porto Alegre, apesar da recomendação do Ministério Público Federal (MPF) do Rio Grande do Sul. “A mostra Cartografias da Diferenças da Arte teve sua exibição finalizada no Centro Cultural de Porto Alegre, de cunho privado, no dia 10.9.17 e não será reaberta conforme comunicado do mesmo dia”, disse a entidade a VEJA por meio de nota.

    De acordo com o MPF, a instituição pode ser processada caso não apresente fundamentos suficientes para rejeitar a recomendação. A mostra foi encerrada em 10 de setembro, na capital gaúcha, após protestos de grupos, entre eles o Movimento Brasil Livre (MBL), que alegavam equivocadamente que as obras faziam apologia à pedofilia e à zoofilia.

    A exposição continha obras de artistas reconhecidos mundialmente como Candido PortinariAlfredo Volpi e Lygia Clark.  Segundo entendimento do MPF, a exposição deve ficar aberta para visitação até 8 de outubro, a data prevista originalmente para seu encerramento. 

    “O precedente do fechamento de uma exposição artística causa um efeito deletério a toda liberdade de expressão artística, trazendo à memória situações perigosas da história da humanidade como os episódios envolvendo a ‘Arte Degenerada’ (Entartete Kunst), com a destruição de obras na Alemanha durante o período de governo nazista”, disse Fabiano de Moraes, procurador regional dos Direitos do Cidadão, no documento.

    Além disso, o procurador recomenda que o Santander lance uma nova exposição, com recursos próprios, com temática parecida com a da mostra fechada, um mês antes do previsto. A nova exposição deve ser pautada “preferencialmente com temática relacionada à diferença e à diversidade, e que esta esteja aberta aos visitantes em período não inferior a três vezes o tempo que a Queermuseupermaneceu sem visitação – a título de compensação pelo período em que a exposição permaneceu sem acesso ao público em geral”, segundo Moraes. A mostra fechada contou com 800 mil reais do Santander, que seriam abatidos de impostos através da Lei Rouanet, mas devolveu o valor aos cofres públicos. O banco estava ciente do conteúdo da mostra quando ela foi aprovada.

    O procurador também discorda da interpretação de que as obras incentivam o abuso infantil e de animais. “As obras que trouxeram maior revolta em postagens nas redes sociais não têm qualquer apologia ou incentivo à pedofilia”, afirmou Moraes.

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    A Promotoria da Infância e da Juventude, do Ministério Público Estadual, que atua na proteção às crianças, garantiu que não há nenhuma apologia á pedofilia nas obras. “Desde logo, afasto, dessas imagens por si, o aspecto de pedofilia, eis que não contém criança ou adolescente na cena captada ou produzida. Ressalto que não se depreende das imagens, por si, a instigação à prática de ato sexual com o objetivo de satisfazer a lascívia de outrem, elementos fundamentais dos tipos penais do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), antes invocados. Em razão disso, ao menos neste momento, não vislumbro a necessidade de procedimento investigatório criminal”, afirmou o promotor Júlio Almeida.

    O MPF recomenda que além de reaberta, a exposição conte com “medidas informativas ou de proteção à infância e à adolescência no que diz respeito a eventuais representações de nudez, violência ou sexo nas obras expostas e também medidas visando a garantia da segurança das obras e dos visitantes”.

    As obras incompreendidas

    Exposição Queermuseu é suspensa após polêmica
    Travesti da Lambada e Deusa das Águas (2013), de Bia Leite. (Reprodução/Facebook) (Reprodução/Facebook)

    Travesti da Lambada e Deusa das Águas (acima), criada por Bia Leite em 2013, faz parte da série Criança Viada e tem como objetivo combater o bullying. Segundo catálogo, o próprio título é “emblemático da radical estratégia de ‘retornar’ simbolicamente uma agressão ao universo social do agressor, transformando o preconceito em experiência de alteridade”. Além disso, o curador entende que o termo “viada”, no feminino, ao lado de “criança”, “dessexualiza o xingamento e empodera o sujeito”. “Essas imagens afirmativas de crianças falando em sua própria voz é uma profunda (e contemporânea) afirmação da expressão de gênero e liberdade criativa”, explica Fidelis.

    Exposição Queermuseu é suspensa após polêmica
    Cruzando Jesus Cristo com Deusa Shiva (1996), de Fernando Baril (Reprodução/Facebook)

    Jesus é retratado exatamente como todos estão acostumados: crucificado. Porém possui inúmeros braços porque foi representado, como diz o título da obra, Cruzando Jesus Cristo com Deusa Shiva (acima), em um sincretismo com a divindade hindu. A obra em acrílico, do porto-alegrense Fernando Baril, é de 1996. “As inúmeras pernas e braços da figura reverberam pera superfície da pintura, exibindo objetos de toda a ordem nas mãos e nos pés, muitos deles relacionados direta ou indiretamente à história da arte e à cultura pop: elementos da Guarnica, de Picasso, por exemplo, são seguradas por duas mãos da figura; no aparador, uma espécie de altar adornado por uma falsa renda de plástico colada com fita adesiva, sobre o qual repousa uma pintura de Marilyn Monroe, uma garrafa de Coca-Cola, exaustivamente tematizada ao longo da história da arte, uma lata de sopas Campbells”, diz o texto do catálogo, escrito pelo curador Gaudêncio Fidelis.

    Exposição Queer Museu é suspensa após polêmica
    Cenas de Interior II (1994), de Adriana Varejão (Reprodução/Facebook) (Reprodução/Facebook)

    Com 1,2 metro de altura por 1 metro de largura, Cenas de Interior II (acima), pintada por Adriana Varejão em 1994, apresenta marcas que lembram um pergaminho guardado por seus segredos. As cenas onde dois homens se relacionam com uma cabra e dois brancos se relacionam com um negro foram “inspiradas em histórias de iniciação sexual que a artista escutou em Alagoas”, escreveu Adriano Pedrosa no catálogo de uma exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde a obra foi exposta em 2013. “Varejão é leitora de Gilberto Freyre e de suas histórias sobre libertinagem na colonização portuguesa no Brasil”, aponta Pedrosa no material. “Não estamos nem na casa-grande nem na senzala, mas num recinto chinês”, situa o texto.

     

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