Senado x STF x Lula: por que está todo mundo errado
Uma PEC fora de hora, uma reação esquisita e um governo que não sabe o que quer
O Senado aprovou uma PEC limitando as decisões monocráticas dos ministros do Supremo. No mérito, a PEC não tem nada de errado, pelo contrário: decisões monocráticas são mesmo uma anomalia e o Senado está dentro de suas atribuições constitucionais. Em qualquer outro momento, não haveria problema com essa PEC.
O problema é que o momento é de conflito entre o STF e o Senado — que recentemente teve o desplante de aprovar o marco temporal das terras indígenas quando ele já havia sido declarado inconstitucional pelo Supremo. A desnecessária escalada na tensão é ruim para todo mundo.
O presidente do STF, Luis Roberto Barroso, e o decano, Gilmar Mendes, reagiram energicamente, denunciando publicamente a PEC como uma medida contra o Tribunal. É verdade que a iniciativa tem o objetivo de reduzir o poder individual dos ministros, mas não é bem verdade que enfraqueça a Corte: pelo contrário, decisões colegiadas têm uma legitimidade que decisões individuais não podem ter.
É também constrangedor que os ministros ajam como se os integrantes do Supremo fossem todos infalíveis e impolutos. No caso da agresssão a Alexandre de Moraes, Dias Toffoli negou à defesa o acesso pleno às provas e concedeu à vítima, que já era integrante do tribunal julgador, o direito de ser auxiliar da acusação. A situação é tão estapafúrdia que o próprio MPF se movimentou para defender o direito dos acusados. Na semana passada, morreu um suspeito do 8 de Janeiro que não deveria estar preso. Episódios assim são desconfortavelmente comuns.
Barroso e Gilmar temem que a PEC abra a porta para uma série de medidas para enfraquecer a Suprema Corte. O presidente do Tribunal alertou que iniciativas antidemocráticas sempre começam por esse caminho. É verdade. O problema é que a PEC — pelo menos esta — não enfraquece o Supremo (ao contrário), só enfraquece os ministros individualmente. O uso do sacrossanto nome do STF para defender prerrogativas particulares soa mal.
O erro mais patético é o do governo, cujo líder, Jaques Wagner, orientou a bancada contra a PEC e votou ele mesmo a favor, carregando consigo os votos de outros senadores, o que levou à aprovação da proposta. O PT fez ordem unida contra seu próprio senador, e os ministros do Supremo ficaram enfurecidos com Lula.
Lula diz que não sabia de nada e foi surpreendido. Cabe ao leitor decidir se o presidente é um nefelibata, não sabe o que faz seu líder no Senado, ou se foi um insulto à inteligência dos ministros do Supremo (e à nossa). Dado o histórico de coisas que Lula não sabia — o petrolão, o mensalão, a crise aérea de 2007, o escândalo dos aloprados — recomenda-se apostar na segunda hipótese.
Essa é uma crise em que todo mundo briga e ninguém tem razão.
(Por Ricardo Rangel em 24/11/23)