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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Um vermelho-e-azul com Eu-gênio Bucci

Pouco antes de sair de casa para ir ao médico, outro amigo me mandou um e-mail lastimando que eu não tivesse lido os artigos de Eugenio Bucci, ex-homem forte da Radiobras e hoje ligado à implantação da Lula News (ver posts abaixo). Escreveu-me ele: “Reinaldo, pena você não ter lido o artigo do Bucci. Uma […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 20h17 - Publicado em 18 out 2007, 20h37
Pouco antes de sair de casa para ir ao médico, outro amigo me mandou um e-mail lastimando que eu não tivesse lido os artigos de Eugenio Bucci, ex-homem forte da Radiobras e hoje ligado à implantação da Lula News (ver posts abaixo). Escreveu-me ele: “Reinaldo, pena você não ter lido o artigo do Bucci. Uma modesta contribuição a todos nós, idiotas, sobre como fazer jornalismo de qualidade. Adoro gente que quebra antigos postulados. E sei que você também. Que modéstia que nada! Elogio em boca própria agora só é vitupério para quem não faz formação continuada. Se ninguém lhe faz elogios, faça-os você mesmo.”

Pois é. Fiquei curioso. Na sala de espera, sem nada pra fazer, fui ler o artigo de Bucci. Dei um cópia-cola e escrevi alguns apontamentos, comentando trechos do texto. Aí o médico chamou, e eu deixei Bucci pra lá. Ele em vermelho. Eu em azul.

(…)
tive a chance de participar de uma tentativa modesta que talvez interesse ao leitor deste artigo. Entre 2003 e 2007, trabalhei na Radiobrás e, ali, desenvolvi, ao lado de outros profissionais, mecanismos que permitiram às redações – em particular à redação da Agência Brasil, o site jornalístico da empresa – acompanhar a evolução das políticas públicas. O que conto aqui não pretende ser uma receita, mas uma contribuição prática entre outras.
Não é fofo? Ainda bem que ele avisa que não é uma receita, mas apenas uma contribuição. Não fosse isso, já ia ter um monte de redação em desabalada carreira para copiar a fórmula que revolucionou o jornalismo mundial. Mas teve mais.

No início da jornada de quatro anos, adotamos parâmetros de cobertura que ajudavam a redação a localizar os processos em curso, indo além da rotina de expor os fatos a granel. Entre esses parâmetros estava a definição do campo de cobertura da Agência Brasil: o triângulo imaginário, cujos vértices seriam Estado, governo e cidadania. Aí dentro cabiam os atos dos governantes, as políticas públicas e os movimentos sociais e a sociedade civil organizada.
Meu Deus do céu! Alguém tem de me explicar por que a VEJA, O Globo, a Folha, o Estadão e outros tantos não pensaram nisso antes! Por que não visualizaram triângulo tão óbvio! Em vez disso, fazem o quê? Cobrem a vida em Marte, destrincham os códigos entre cachorros (aquele enigmático cheira-cheira). O triângulão ali à vista, e ninguém percebendo. Quanta cegueira! Mas ele ensina mais:

Para evitar a captura do enfoque tanto pelas alças do governo como pelas pressões próprias de ONGs, a redação se impôs o dever de cobrir sistematicamente a evolução das políticas públicas segundo o efeito direto que elas tivessem na vida material das pessoas. Uma solenidade, mesmo que superlotada de autoridades, não seria notícia obrigatoriamente. O acesso de uma comunidade a um novo sistema de educação, implantado e em funcionamento, este sim importava na pauta.
Eu chamo isso de confissão. Um ato de coragem. Mostrar apenas solenidades cheias de autoridades? Aliás, digam-me: alguém vê esse tipo de cobertura em alguma outra emissora? Eu não vejo há décadas, desde o Cinejornal, mas agora percebo que isso já era fruto dos ensinamentos de Bucci. Nada de solenidade!!! Tem de fazer propaganda. Assina o contrato para botar bica d’água na favela? Mostra a bica, que o efeito propagandístico é mais imediato! Mas como mostrar a bica se o contrato só foi assinado agora? Bem, vai de projeto-piloto mesmo, porque sempre há um projeto-piloto para ser exibido. E, assim, a Radiobrás passou a cumprir melhor a sua faceta de jornalismo-marreta do poder. Pena que as emissoras comerciais ainda não tenham aprendido a lição… Mas Bucci, no seu texto, encantadoramente, permite-se momentos poéticos. Não apenas um elogio a si próprio. Um elogio com poesia:

O projeto editorial da Agência Brasil e da Radiobrás gerou um ponto de observação independente, comprometido apenas com os direitos do cidadão genérico, que não era nem assalariado dos ministérios nem militante de ONG ou de movimento de massa. A despeito da tradição governista e subserviente que pesava sobre a estatal, criou-se um ambiente de maior liberdade. Também nesse caso, o cultivo dos cânones do jornalismo conduziu à busca da liberdade.
O único problema é que ninguém soube disso. Ninguém sabe, ninguém viu. Mas a revolução não ficou nisso:

Para levar adiante a cobertura pretendida, as editorias antigas da Agência foram reformuladas. Até então decalcadas de uma redação convencional – eram editorias que se distribuíam em retrancas como “internacional”, “política”, “economia”, “cultura”, “esportes” ou “ciência” –, elas se reorganizaram segundo as áreas a cobrir. Editorias como “esportes”, “cultura” ou “ciência” deixaram de existir, mas reportagens sobre esportes, cultura ou ciência não deixaram de ser feitas – apenas mudaram de enfoque: em lugar de ser noticiadas como espetáculos, entravam na pauta quando dissessem respeito diretamente ao atendimento de direitos, com foco no cidadão. Um show, por exemplo, não seria mais notícia. A abertura de uma escola pública de música, esta sim.
Entenderam a coisa? Para que ter uma redação organizada? Para que botar a moçada para trabalhar? Se shows deixaram de ser notícia, o que fazer com o pessoal? Ora liberar para o chope. Como a abertura de uma escola de música (num país como o nosso e até mesmo na Áustria) não é lá um evento tão freqüente, pernas para o ar!
Eu confesso a minha estupidez. O texto de Bucci é tão rico, que demoro a entender. Mas acho que o trecho que vem a seguir quer dizer o seguinte: como ele se impôs acompanhar prioritariamente o médio e o longo prazos e como ele ficou à frente da Radiobrás apenas no curto prazo, o que ele nos diz é que apenas lançou a bomba, que, agora, deve explodir em outras mãos. Vejam só:

Graças às novas lentes, formou-se na redação da Agência Brasil, e, também, em outras redações da Radiobrás, o costume de manter um acompanhamento de médio e longo prazo dos fatos relacionados aos direitos da cidadania. Daí nasciam os elementos da pauta diária. A redação da Agência conseguiu, então, iniciar – apenas iniciar, pois este aprendizado leva tempo – o monitoramento sistemático das políticas públicas, originadas do governo ou dos movimentos, pois uma política pública pode germinar de dentro do Estado ou de uma demanda que se estrutura a partir da sociedade.
E tome mais elogio a si próprio. Eu não sabia, mas juro que acredito. A Radiobrás deu é furo nos anos Bucci. Era furo pra cá, furo pra lá. Sempre antes de todos. Talvez tão antes, que ninguém tenha notado:

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A produção da Agência Brasil – pelo menos de fins de 2003 a meados de 2007 – é uma demonstração viva das múltiplas dimensões da cobertura das políticas públicas. A Agência não abriu mão do dever de publicar notícias em primeira mão; o fato de acalentar o ideal de revelar os processos sociais e políticos em curso não a eximiu do dever de dar as notícias antes das demais agências, com agilidade e qualidade. Não se tolerou, ali, que os fatos fossem desprezados pelo jornalista sob a desculpa de que seu negócio, agora, era noticiar processos e não meramente fatos. Ao contrário, o desafio era dar as notícias antes, enriquecidas por descrições mais aprofundadas dos respectivos contextos. Com o tempo, o olhar atento às políticas públicas aparelhou a redação para enxergar algumas notícias antes dos demais, em várias oportunidades.E veja que frutos bonitos ele conseguiu. Na cobertura das eleições de 2006, nada de mensalão, dossiegate, debates. Revolucionário mesmo era acompanhar a rotina do TCU. Coisa para jornalista com formação continuada, é claro.Durante a campanha eleitoral de 2006, por exemplo, a Radiobrás realizou, não apenas na Agência Brasil, mas também em seus veículos de rádio e televisão, uma cobertura que se distanciou do imediatismo e alcançou grande repercussão em diversos veículos públicos e comerciais, dada a sua utilidade para o eleitor. Em primeira mão, a empresa noticiou a lista de candidatos às eleições que tinham contas não aprovadas ou processos em aberto no TCU (Tribunal de Contas da União), detalhando quais eram as razões desses processos. Só uma equipe que compreendesse a natureza das informações armazenadas no TCU e a relevância delas para a formação da opinião do cidadão poderia levar aquela pauta adiante. Foi uma investigação exaustiva. A seqüência de reportagens rendeu notícias quentes a partir do que aparentemente era mera rotina no TCU.E que lindo! A Radiobrás ser uma fábrica de release eletrônico do governo? Claro que não. Como todos nós estamos carecas de saber (eu mais careca do que a média), nos quatro anos em que Bucci esteve lá, a empresa deu uma banana para os políticos, para o Lula, para todo mundo. Independência? Só alguém como Bucci, que depende da caneta do Lula para ficar no cargo:

Esse período na Radiobrás reforçou em mim, de modo definitivo, convicções de fundo que, em parte, foram expostas ao longo deste artigo. Do ponto de vista da lida com a notícia, muitos dos que participamos dessa temporada na Radiobrás aprofundamos a certeza de que o jornalismo não tem mais a prerrogativa de se contentar em reagir a estímulos externos: a um press release, à provocação verbal de uma autoridade, aos eventos espetaculares, à curiosidade caprichosa e volúvel da platéia. Ele precisa encontrar a notícia de interesse público onde não há a aparência ou promessa de espetáculo – o TCU, por exemplo, que não tem poder de cassar mandatos nem de mandar prender ninguém, mas que reúne uma imensidão de relatórios técnicos que, se bem lidos, lançam luz sobre o caráter da trajetória de um político.
Claro, nenhum texto é perfeito. Neste, há também um toque de inconformismo, de pressa. Como por exemplo, esta resignada constatação de que a democracia AINDA depende do jornalismo. Mas, se depender de Bucci e de sua escola, não por muito tempo:

A democracia ainda depende do jornalismo – e este, agora, depende de identificar e cultivar o que lhe é essencial. Experimentamos uma abundância sem precedentes de referências e de discursos fervilhando nos espaços públicos. Cifras, declarações, afirmações, gráficos, rezas, fotos, desenhos, vídeos, documentários, tabelas, infográficos, mapas – uma infinidade de textos, sons e imagens, em profusão vulcânica, vinda de todas as partes, abarrota os olhos, os ouvidos e, eventualmente, a paciência de todo mundo. ONGs, autarquias, bancos, empresas, governos, fábricas de automóveis, escolas, agências espaciais, igrejas, seitas e furgões que vendem pamonha produzem seus próprios sites, seus auto-falantes, seus filmes e suas emissoras de rádio e de televisão. Ruidosamente, forjam nexos diretos e íntimos com qualquer tipo de público, com qualquer parte física ou imaterial do sujeito.
Nada a acrescentar a não ser recomendar que se substitua “auto-falantes” por “alto-falantes”. É a evidência final da necessidade da “formação continuada”. Bucci está mesmo certo.

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