Vamos lá. Um padre que desrespeita os votos e o pacto que fez com a sua igreja num tema como o celibato pode desrespeitar qualquer outro fundamento. Reitero o que escrevi no post anterior: não parto do princípio de que um homem não possa conter este ou aquele impulsos, instintos ou demandas da natureza, cada um chame como quiser. Há 400 mil sacerdotes no mundo. A esmagadora maioria é fiel aos votos que fez. Mas quantos bastam, nesse universo, para difamar a Igreja? Se 1% do total fizer besteira, são 4 mil agentes de difamação da instituição. Sim, oponho-me ferrenhamente ao celibato sacerdotal — sem que com isso lance suspeitas sobre os celibatários, é evidente. Até porque é essa uma exigência. Mas chegou a hora de começar a revê-la. Leiam o que segue.
O celibato sacerdotal na Igreja Católica foi instituído no ano 390 — portanto, a Igreja viveu quase quatro séculos sem ele. Sei que vou entrar numa pinima danada. Já me bastaria o ódio dos que chamo partidários da “escatologia da libertação” (que, de teologia, não tem nada). Talvez vire alvo, também, dos conservadores. Ok. Como diria Padre Vieira, “pelo costume, quase se não sente”. Adiante: o celibato é matéria apenas de interpretação, nada mais. Torná-lo uma questão de princípio, como é a defesa da vida — e, pois, a rejeição ao aborto —, é superestimar uma (o celibato) e rebaixar outra (a defesa da vida).
Na minha Bíblia — e na sua também, leitor amigo —, São Pedro tem sogra. Sei que sou aborrecidamente lógico às vezes, mas é de se supor que tinha ou teve uma mulher: “E Jesus, entrando em casa de Pedro, viu a sogra deste acamada, e com febre. E tocou-lhe na mäo, e a febre a deixou; e levantou-se, e serviu-os”. Está em Mateus, 8:14-15.
Na Primeira Epístola a Timóteo, ninguém menos que São Paulo recomenda:
“Esta é uma palavra fiel: se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja. Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar. Não dado ao vinho, não espancador, não cobiçoso de torpe ganância, mas moderado, não contencioso, não avarento” (I Tim, 3:1-3).
Os defensores radicais do celibato pretendem dar a estas palavras um sentido diverso. Desculpem. Trata-se de forçar a barra. Na sequência, São Paulo não deixa a menor dúvida: “Que governe bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia. Porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?)” (I Tim, 3:4-5). Não quero ser ligeiro. Sei bem que há outras passagens que endossam o celibato. Mas fica claro que se trata de uma questão de escolha, sim, não de fundamento; trata-se de uma questão puramente histórica, não de revelação.
O celibato pode ter sido útil em tempos bem mais difíceis da Igreja. A dedicação exclusiva à vida eclesiástica pode ter feito um grande bem à instituição. Mas é evidente que se tornou um malefício, um perigo mesmo, fonte permanente de desmoralização. A razão é mais do que óbvia. A maioria dos padres, é possível, vive o celibato e leva a sério o seu compromisso. Mas é claro que o sacerdócio também se tornou abrigo de sexualidades alternativas, que não têm a mesma aceitação social do padrão heterossexual. E que se note: também existem desvios de conduta de padres heterossexuais.
Poderá perguntar alguém: pudesse o padre casar, a Igreja estaria absolutamente protegida de um adúltero, por exemplo? É claro que não. Mas não tenho dúvida de que estaria muito menos cercada de escândalos. Talvez se demore mais um século até que isso venha a ser debatido, sempre no tempo da Igreja Católica, que não é este nosso, da vida civil. Mas é importante que os católicos, em especial aqueles que não aderiram a heresias marxistas, comecem a pensar que o celibato não compõe o núcleo da doutrina cristã ou um fundamento do catolicismo. Foi, num dado momento, a escolha de uma forma de organização. Que, hoje, traz mais malefícios do que benefícios.
Sou o primeiro a considerar que a Igreja não tem de ceder a todos os apelos da, vá lá, modernidade, abrindo mão de seus princípios. Só que falta provar que o celibato é um princípio. Não é.
De fato, a obrigação de um sacerdote deveria ser outra, como queria São Paulo: “Convém, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher, vigilante, sóbrio, honesto, hospitaleiro, apto para ensinar.” A obrigação deveria ser o casamento, não o contrário.
Concluindo
Este texto foi publicado neste blog no dia 28 de outubro de 2007. Eu o assino ainda hoje e vou voltar ao assunto, centrando a questão em outro aspecto importante: a dita “pedofilia”.