Quarenta e oito reféns mortos em circunstâncias que ainda não estão claras — 25 deles carbonizados — e trinta e dois terroristas. É o saldo, até agora, do confronto entre extremistas islâmicos e as forças especiais da Argélia no campo de exploração de gás da cidade de In Amenas, no norte do país, quase na fronteira com a Líbia. Inicialmente, mais de 600 pessoas haviam ficado à mercê dos facinorosos. A repercussão, embora grande, só não é maior porque o desastre se deu num país muçulmano, ainda que a maioria dos mortos possa ser estrangeira — não se sabe ao certo até agora.
O presidente dos EUA, Barack Obama, tomou posse ontem de seu segundo mandato. Faz hoje o juramento no Congresso. Está às voltas com problemas domésticos, como o Orçamento. Mas um mundo bem mais complicado o aguarda do que há quatro anos. E, em muitos aspectos, por mais que se tente fazer de conta que não — estou cada vez mais convicto de que o “obamismo” é um das formas de ser da negação da realidade —, suas escolhas respondem por essa complicação.
A que me refiro? Embora a imprensa mundial não tenha feito alarde, preferindo jogar a questão para os baixos de página e áreas periféricas, a dita “revolução” líbia foi uma coprodução do jihadismo islâmico com a Otan. A maior máquina de guerra do planeta (já que a Otan é braço dos EUA, certo?) se juntava com os extremistas de Alá. Nunca existiram os “libertadores” de Benghazi. Era pura fantasia aquela história das forças democratizantes que avançavam do Leste para ao Oeste. Ao cair nessa esparrela, Obama — com a preciosa ajuda de David Cameron e Nicolas Sarkozy — estavam arregaçando (literalmente…) as porteiras do Norte da África para os extremistas.
Minha crítica não é nova. Alguns textos da época estão aqui:
25/02/2011
– Quando Kadafi se for, falar com quem?
09/03/2011
– Rasgando a fantasia – A crise na Líbia expõe o governo patético de Barack Obama
03/04/2011
– Como dar um apoio entusiasmado àquilo que nos destrói. Ou: Não contem para o Jabor!
03/04/2011
– É para estes civis que Barack Obama, que veio nos livrar das garras de Bush, quer fornecer armas!!!
05/04/2011
– O fatal tem uma característica muito chata: sempre acontece!
27/08/2011
– Os leitores deste blog não estão surpresos, certo? Opositores líbios têm elos com Al-Qaeda, diz jornal
Retomo
No Estadão de ontem, Andrei Neto entrevista o cientista político Kader Abderahim, do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris) e do Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po), de Paris. Para ele, informa o jornal, “a força dos movimentos islamistas armados que desafiam a França e o Ocidente na África vem ‘da miséria e da falta de democracia no Mali e em toda a região’.”
Notável! Digam aí uma coisa ruim — incluindo terremoto, tsunami e unha encravada — que a miséria e a falta de democracia não tornem ainda pior. Até aí, como se diz lá em Dois Córregos, morreu um burro. Andrei Neto faz a seguinte pergunta a Abderahim, que dá a resposta que segue:
Muito se fala do papel da Primavera Árabe no Mali e na Argélia. Qual a sua opinião?
Não creio que a Primavera Árabe tenha tido algum impacto sobre o que ocorre na Argélia. As autoridades argelinas conseguiram controlar a Primavera Árabe com repressão e muito dinheiro, colocando recursos na mesa para aliviar a pressão social. Quanto ao Mali, mesmo que o país tenha fronteiras com duas ou três nações árabes, é um país de outra natureza, da África negra, não árabe. Talvez nosso erro tenha sido analisar e entender a Primavera Árabe como revoluções e não como movimentos populares, o que me parece mais justo.
Ou ele não entendeu ou fez de conta que não entendeu. Terroristas não querem saber, por definição, de “Primaveras”. A questão é saber qual foi o elemento que criou todas as facilidades para que os terroristas islâmicos se espalhassem pelo Norte da África. Ok. Os malineses não são árabes… E daí? A esmagadora maioria é muçulmana. EUA, França e Grã-Bretanha aceitaram de bom grado a colaboração de terroristas islâmicos na luta para derrubar Muamar Kadafi. Muitos se deslocaram da fronteira do Paquistão com o Afeganistão com o propósito de tomar um país. Os bombardeios aéreos da Otan lhes abriam o caminho. Quando o então embaixador americano na Líbia Jay Christopher Stevens foi assassinado, em setembro, Obama tentou negar o caráter terrorista da ação. Foi obrigado, depois, a ceder à realidade.
O ponto é
É evidente que Kadafi era um tirano asqueroso. A questão era saber até onde se poderia ir para derrubá-lo e com quem. Peguemos agora o caso da Síria. Há alguma maneira de defender o carniceiro Bashar Al Assad? Desconheço. O povo sírio merece a democracia? Estou entre aqueles que confundem esse merecimento com um direito natural do homem. Mas é inegável que a Al Qaeda constitui hoje a força mais organizada de combate ao ditador. Vale a pena pagar esse preço?
“E fazer o quê? Ficar com Kadafi, com Assad, com esses monstros?” Vênia máxima, a pergunta está errada. De uma coisa, estou convicto: não vale a pena fazer nenhuma forma de acordo com os terroristas, especialmente quando não se tem nada planejado para a etapa seguinte.
Kadafi, depois de ter deixado de praticar, ele próprio, atos terroristas, mantinha a cachorrada da Al Qaeda na coleira. Ninguém precisava chamá-lo de “amigo e irmão”, como fez Lula. O que não é aceitável é que aquelas vastas solidões da Líbia, da Argélia, de Níger, do Mali, do Chade tenham se convertido em área de livre trânsito do terror.
Os obamistas e sua determinação de ver o mundo como ele não é digam o que quiserem. O fato é que Obama começou o seu mandato, em 2008, com o Oriente Médio e adjacências conflagrados. Quatro anos depois, o status da região não mudou — em muitos aspectos, piorou, porque ainda mais hostil ao Ocidente e a Israel —, e agora é o Norte da África que se vê às voltas com as milícias assassinas que já eram rotina no Sudão. Com uma diferença, no entanto: as de agora estão ligadas à “rede”.
Ah, sim: desta vez, “Jorjibúxi” e os republicanos não têm nada com isso. Não adianta o Jabor insistir…