O ESTADO DE DIREITO PASSARÁ POR UM TESTE NO SENADO. É A SUA SORTE, LEITOR, QUE ESTARÁ EM JOGO
Sinto que, no texto acima, eu não entreguei tudo o que prometi no título. O que a Venezuela tem a ver com a gente? Pois é… Hoje, Otacílio Cartaxo, secretário da Receita Federal, depõe na Comissão de Constituição e Justiça do Senado sobre a violação do sigilo fiscal de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do […]
Sinto que, no texto acima, eu não entreguei tudo o que prometi no título. O que a Venezuela tem a ver com a gente? Pois é… Hoje, Otacílio Cartaxo, secretário da Receita Federal, depõe na Comissão de Constituição e Justiça do Senado sobre a violação do sigilo fiscal de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB. O crime foi cometido, os dados foram passados para a escória do PT, que elaborava com eles um dossiê, fazendo a leitura perturbada de sempre. Descobertos, resolveram dar um tempo. Vamos ver até quando. Faço uma pausa neste ponto para lembrar algumas questões. E voltarei aqui para arrematar.
Vocês certamente conhecem um texto citadíssimo, eu mesmo já o fiz, que é quase um clichê, mas que ainda mão perdeu a sua força:
“Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”
O que se faz sempre é errar a autoria. Não é de Maiakovski. Não é de Brecht. Pertence ao alemão Niemöller, um pastor que, inicialmente, foi simpatizante do nazismo. Depois acabou preso num campo de concentração, acusado de proteger judeus — o que era verdade. Como lembrou meu amigo Gonçalo Osório, na Primeira Guerra, comandou um submarino e integrou depois um grupo de militares desiludidos com o Tratado de Versalhes, tentou golpear a República de Weimar, aproximou-se dos nazistas, viu o horror e acabou, de fato, como um herói humanista. O totalitarismo é uma tentação que também assombra os bons, acreditem. Não sei, por exemplo, se petralha tem cura. Os homens têm cura.
Adiante. Um grupo que viola o sigilo bancário de um caseiro como estratégia de defesa acabará violando o sigilo fiscal de um alto dirigente de um partido de oposição ou reunindo a escória da arapongagem para fabricar dossiês contra adversários e mobilizando seus esbirros no subjornalismo para o trabalho de proselitismo — uma espécie de “SA”, a tropa de assalto dos primeiros tempos do nazismo, que se manifesta em palavras.
O desrespeito à lei, como se sabe, vem de cima. Ter um presidente da República, chefe de governo e do Estado e, simbolicamente, o homem que preside também as eleições, multado seis vezes pelo TSE é um escracho. E faltam multas. Ontem, Lula cometeu um crime eleitoral de modo inédito: avisou que iria cometê-lo. E o fez. Foi aplaudido pelos seus ministros (ver posts abaixo).
Permita-se que eles avancem, e eles avançam. A pantomima do programa que Dilma rubricou, mas não tragou trazia — e o que está lá, que também será substituído, ainda traz — uma penca de mecanismos cujo único objetivo é cortar prerrogativas da sociedade e transferi-las para um partido. A exemplo de seu chefe, a candidata do PT discursou em Sergipe com o boné do MST na cabeça — e isso quer dizer o elogio da ilegalidade.
Pouco me importa se o “ambiente para os negócios” é bom ou ruim com Lula. A frase pode parecer só retórica, mas vá lá: não estou entre os mercadores da democracia.
Eu defendo, sem reservas, a sociedade de mercado porque ela é única em que o regime democrático é possível. Eu não defendo a democracia porque seja esse o único modelo em que o mercado é possível, entenderam?
Mercado existe em ditaduras, mas democracias só existem com mercado. Acho que deixei bem claro qual é o meu compromisso essencial. Assim, pouco me importa se este ou aquele bilionários estão com a candidata do “rubriquei, mas não traguei”. Posso admirar a sua (deles) habilidade para ganhar dinheiro, gerar empregos, produzir riqueza… Mas não são meus guias na democracia.
Volto a Cartaxo
O secretário da Receita tem de dar uma resposta convincente. O Estado de Direito é que foi violado com a violação do sigilo de Eduardo Jorge. Não estou inferindo que ele tenha responsabilidade pessoal no episódio ou mesmo que soubesse da coisa. Mas é ele quem tem de exibir as providências que tomou como chefe do órgão.
Ou um regime em que essa lambança passe em branco ainda acabará plantando explosivos na casa de um líder oposicionista de quem o soberano não gosta.