Na CCJ, que julga o caso Donadon, aparece o fantasma dos mensaleiros. Ou: Relatório em separado de Jutahy Jr. busca impedir a chicana. Ou ainda: É possível haver parlamentar sem direitos políticos?
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, depois de duas horas, adiou por uma semana a votação do relatório do deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ), que pede a cassação do mandato do deputado Natan Donadon (Sem partido-RO), condenado pelo STF por formação de quadrilha e peculato. Ele está preso desde o dia 28 de junho. […]
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, depois de duas horas, adiou por uma semana a votação do relatório do deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ), que pede a cassação do mandato do deputado Natan Donadon (Sem partido-RO), condenado pelo STF por formação de quadrilha e peculato. Ele está preso desde o dia 28 de junho. O adiamento se deveu a um pedido de vista feito por Vladimir Costa (PMDB-PA). Ele estava de licença por razões de saúde e alegou, vejam só!, que não havia acompanhado direito o caro e queria se inteirar melhor do assunto. Teria ele passado uma temporada em algum hospital em Marte, lá onde não chegam notícias de Banânia? A questão é bem outra, meus caros, e vai bater lá nos… mensaleiros! Vamos ver?
Zveiter, que foi o relator do caso, recomendou, reitere-se, a cassação de Donadon, mas o fez, atenção!, ancorado no $ 2º do Artigo 55 da Constituição. O Artigo inteiro segue abaixo, em azul, com destaque para o dito parágrafo. Volto em seguida.
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Voltei
Como se nota, por esse fundamento, ainda que a CCJ aprove a cassação de Donadon — e isso certamente ocorrerá —, a decisão terá de ir a plenário.. Muito bem. O deputado Jutahy Jr. (PSDB-BA) resolveu fazer um voto em separado, ancorado, a meu ver, nos mais claro e límpido fundamento constitucional.
Ora, o que alega Jutahy? Ele recorre ao Artigo 15 da Constituição, que estabelece o seguinte:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
(…)
III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.
Voltei
Como resta claro, límpido e inequívoco, a condenação criminal suspende os direitos políticos pelo tempo que durar a pena. Não há exceção para os parlamentares. É concebível que possa existir um deputado ou senador sem direito político? A hipótese é absurda. Assim, em seu relatório alternativa, Jutahy defende que se aplique não §2º do Artigo 55, mas o § 3º: a cassação de Donadon não precisa ser submetida ao plenário e pode e deve ser simplesmente declarada pela Mesa.
Transcrevo, em azul, trechos do impecável voto de Jutahy:
(…)
O sentido do art. 55, VI, mudou. Hoje, a perda de mandato do parlamentar em função de condenação criminal comum transitada em julgado não depende de deliberação de qualquer das Casas do Congresso Nacional, mas é um efeito automático da sentença condenatória, cabendo às Casas legislativas apenas declarar a produção desse efeito uma vez atendidos os seus requisitos formais, como a condenação, o trânsito em julgado, o julgamento pela autoridade competente, entre outros.
(…)
Ora, o cidadão comum, quando condenado criminalmente, perde seus direitos políticos, por força do art. 15, III, da Constituição da República. Da mesma forma, se o parlamentar, que nada mais é do que um cidadão comum no exercício de um mandato eletivo, for condenado criminalmente, ele também perde seus direitos políticos. Assim, a perda dos direitos políticos, tanto de parlamentares quanto de cidadãos comuns, é uma consequência direta do trânsito em julgado da condenação criminal.
(…)
A Constituição também estabeleceu que o pleno exercício dos direitos políticos é condição de elegibilidade, ex vi do art. 14, §3º, II.
(…)
Outro problema a que essa mutação pôs fim diz respeito à contradição que teríamos se permitíssemos que um parlamentar continuasse a exercer seu mandato depois de ter perdido seus direitos políticos. Com efeito, vigente o sentido original do §2º do art. 55, seria permitido a um parlamentar condenado criminalmente e, portanto, sem direitos políticos, a continuidade no exercício de sua função política. Essa contradição teria implicações absurdas, como, por exemplo, a de que um cidadão proibido de votar em eleições municipais ocorridas no meio de seu mandato atuasse como legislador. Isso seria inaceitável.
(…)
Os mensaleiros
É claro que acho que Jutahy está certo. Essa é, aliás, a tese que venho defendendo aqui há muito tempo. Muito bem! Quando se apresenta um relatório em separado, é preciso votar, esclher. Jutahy, no entanto, tentou convencer Zveiter a mudar o seu texto, e o relator estava disposto a dialogar a respeito.
Eis, então, que surge o nosso paciente de Marte para pedir vista, alegando não estar suficientemente informado a respeito. É claro que a questão interessa diretamente as mensaleiros, não e? Se prevalecer o § 2º, sempre lhes restará a chance de o plenário livrar a sua cara. Se prevalecer — como pede, é evidente, a Constituição —, a Câmara apenas cumpre as formalidades da cassação, sem apelo.
Argumento definitivo
Como lembra Jutahy, a Constituição, no Inciso II do Parágrafo 3º do Artigo 14, estabelece uma das precondições para alguém ser candidato a um cargo eletivo: “II – o pleno exercício dos direitos políticos”. SE O INDIVÍDUO SEM DIREITOS POLÍTICOS NÃO PODE NEM SER CANDIDATO, É RAZOÁVEL QUE SE ADMITA A HIPÓTESE DE QUE POSSA SER UM PARLAMENTAR? Trata-se de um completo absurdo!
A única coisa razoável, no caso, e parece que Zveiter pode se dar conta disso, é fazer valer a higidez do texto constitucional. Se o deputado Vladimir Costa quiser, eu explico de novo.