O deputado Odair Cunha (PT-MG), hoje relator da CPI do Cachoeira, é coautor de um estudo demonstrando não haver correspondência entre o recebimento de dinheiro e o voto dos mensaleiros. A síntese é a seguinte: os petistas não se alinhavam com o governo por dinheiro, uma vez que era o partido do poder. As demais legendas ora votavam, ora não, e é impossível estabelecer uma correspondência entre a dinheirama e o voto.
Reitero: isso é absolutamente irrelevante! Todos os parlamentares tinham a expectativa do ato de ofício. A rigor, o ponto terminal da atividade representativa é mesmo esta: o voto. O recebimento de qualquer vantagem, especialmente por meios ilícitos, como foi o caso, se dá em razão da expectativa desse ato de ofício. Se o deputado ou senador que levou a grana cumpriu ou não a expectativa de quem pagou, isso é, no que diz respeito à essência do crime, irrelevante. Só tem importância para se definir se a pena terá ou não agravante. No caso de o voto ter sido efetivamente dado, então a punição tem de ser aumentada.
Nunca será demais lembrar o Artigo 317 do Código Penal, que define e pune a corrupção passiva:
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
§ 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.
§ 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Como se nota, todos os parlamentares mensaleiros podem e devem ser punidos pelo caput do Artigo 317. Todos estão sujeitos a penas de 2 a 12 anos. Caso fique evidente que eles efetivamente deram um voto — praticaram, além da expectativa, o ato de ofício — em troca de dinheiro, aí a pena de tem de ser aumentada em um terço.
Assim, é pura pilantragem teórica e exercício de direito criativo essa história de que é preciso provar que o parlamentar votou em troca de dinheiro. Não é! A única coisa que precisa ser provada — e está provadíssimo! — é que aquela turma recebeu benefícios ilegais. Afinal, quando o fez, estava investida da expectativa do ato de ofício. Ponto final!
Absolver os então parlamentares de corrupção passiva nesse caso significa uma coisa só: aposta na impunidade. Até porque, relembro, um parlamentar pode receber o dinheiro ilegal e até trair o seu financiador. E daí? O fato de ser infiel e enganar o seu patrono não faz dele um homem decente, não é mesmo? O que o caput do Artigo 317 pune não é o larápio fiel. Pune o larápio. Sem adjetivo.
A propósito: um parlamentar eleito que não tenha nem mesmo tomado posse pode praticar corrupção passiva, como deixa claro o Artigo 317. Logo, essa conversa — se votou ou não votou em razão do dinheiro — é puro diversionismo. Ministro que levar a sério aquele levantamento do PT estará apostando na impunidade.