Queda de braço. Maior holding do jornalismo argentino paga caro por adotar uma posição crítica ao governo do país
Por Ariel Palacios, no Estadão:
Assediado pelas medidas do governo argentino, o Grupo Clarín, maior holding de mídia do país, viu o valor de suas ações reduzir-se drasticamente nos últimos anos. Em 2007, após a eleição de Cristina Kirchner, as ações chegaram a valer 32,10 pesos. Dois anos depois, em 2009, quando o jornal Clarín adotou uma posição mais crítica em relação a Cristina, a cotação despencou para 5,55 pesos por ação. Hoje, oscila em torno dos 12 pesos por ação.
Uma draconiana Lei de Mídia – aprovada pelo Congresso em outubro, mas ainda suspensa por força de liminares judiciais – foi impulsionada pelo governo e converteu-se na principal ferramenta para tentar inviabilizar o Grupo Clarín como negócio.
Em razão da norma, a holding terá de se desfazer de grande parte de suas empresas, que incluem de emissoras e repetidoras de rádio e TV em todo país a operadoras nacionais de TV a cabo, além dos jornais diários Clarín e Olé. A controvertida lei, porém, é apenas a parte mais visível da série de ações de intimidação e perseguição governamental contra o jornal Clarín, seus proprietários e os jornalistas que nele trabalham.
Ricardo Roa, editor-adjunto do Clarín disse que o jornal tem sofrido com o custo econômico da ofensiva do governo. “Mas transmitimos a nossos jornalistas que a diretriz é a de manter a linha editorial, apesar do enorme custo que isso implica ante um governo que ignora a necessidade de existência da imprensa independente”, disse ao Estado.
O jornalista acredita que, ainda que a Lei de Mídia tire do Clarín alguns de seus veículos, a força da voz crítica do grupo não se reduzirá. “Vamos agir mais na internet. Esse é um grupo de mídia. Sempre foi assim, e assim continuaremos.”
Desde que Cristina e o marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, declararam guerra ao jornal, grupos ligados ao peronismo têm promovido a exibição de outdoors com fotos de colunistas do Clarín, tachando-os de “traidores” e “golpistas”. O acesso de repórteres do jornal a dados oficiais restringiu-se na mesma medida em que o rigor fiscal contra o grupo se intensificou.
Na sequência, o sindicato dos caminhoneiros, aliado do governo, chegou a impedir por várias noites, por meio de piquetes, a saída dos caminhões com exemplares do jornal da gráfica. Desde o fim da ditadura (1976 a 1983) um meio de comunicação não era alvo de pressões tão violentas.
(…)
Fontes do Grupo Clarín indicaram, sob a condição de anonimato, que os diretores da holding tentaram negociar com os Kirchners alternativas para reduzir o conflito. “Mas os Kirchners exigiram dos editores do Clarín um grau tão grande de submissão que o grupo decidiu abandonar o diálogo”, disse a fonte.
(…)
A Lei de Mídia ganhou impulso depois do fracasso de uma série de esforços do governo e de seus partidários para intimidar o Clarín – um movimento que incluía a tentativa de flagrar alguma irregularidade nos livros fiscais do Grupo Clarín. Após a blitz da Afip (a Receita Federal argentina), na qual mais de 200 fiscais invadiram a sede do Clarín em Buenos Aires e praticamente sequestraram os livros contábeis, nada de ilegal foi apurado. Até hoje, no entanto, o governo nunca deu nenhuma informação oficial sobre o resultado de sua fiscalização nem apresentou nenhuma justificativa para a ação do fisco.
Em outra frente contra o Clarín – e os demais jornais do país -, os Kirchners tentam tomar o controle da Papel Prensa, a maior produtora de papel para jornal da Argentina. Desde 1976, a empresa é controlada pelo Grupo Clarín (49% das ações), o jornal La Nación (22,49%) e o Estado argentino (27,46%). Em sua maior parte, por questão de custo, os jornais têm optado por utilizar papel importado. Mas, para muitas organizações de defesa da liberdade de expressão, o assalto à Papel Prensa poderia ser o passo prévio de uma ação do Estado para intervir nas operações de importação do produto. Aqui