Ainda o pedido de demissão de Calero: silêncio do governo não é uma boa resposta
Quando menos, Planalto deveria ter emitido uma nota deixando claro que os órgãos de estado têm assegurada a sua autonomia para atuar em defesa do país
Não conheço, obviamente, detalhes do empreendimento imobiliário “La Vue Ladeira da Barra”, em Salvador, pivô do pedido de demissão de Marcelo Calero, que deixou o Ministério da Cultura, inconformado com a pressão exercida pelo ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo). O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) vetou o projeto original, de 31 andares, e impôs uma altura máxima de 13. Geddel, que comprou um dos apartamentos na planta, não gostou. Ele também mantém relações de amizade com os empreiteiros. Vamos lá.
Li a respeito do projeto. Também vi os mapas e as áreas preservadas que seriam impactadas pelo edifício. Tudo indica que, fosse eu um conselheiro, votaria a favor da liberação da construção na sua pretensão original. Parece-me estar havendo um exagero. Um edifício fazer sombra, em alguma hora do dia, como se acusa, em uma área tombada não me parece razão suficiente para vetar a sua construção.
Eis o mérito. Mas, antes deste, há o princípio. É claro que o ministro Geddel não poderia jamais ter se comportado como se comportou. Sim, ele admitiu a interferência, embora tenha dito que as coisas não se passaram exatamente como Calero relata. E daí? Havia razão suficiente para que deixasse o órgão deliberar. E os empreendedores que tentassem, então, pelas vias legais, uma eventual mudança de posição.
O presidente Michel Temer preferiu silenciar a respeito.
É certo que isso não colabora para a imagem do governo. Passa a impressão de que um ministro dispõe, por razões misteriosas, de instrumentos de intervenção em áreas que não lhe são subordinadas, mas que devem ceder a suas ingerências para atender a interesses ou pessoais ou de grupos.
Em mensagem a servidores do Iphan, Kátia Bogea, presidente do órgão, defende a atuação do instituto e reforça a suspeita de que o órgão está sob pressão. Lê-se lá:
“O episódio que envolve a construção de edifício em altura impactando bens tombados não é o primeiro que se apresenta ao Iphan. Tampouco, não será a última vez que argumentos que, em nome da crise e da criação de empregos, serão utilizados para acobertar os reais interesses por trás de empreendimentos do tipo. Trata-se de, para tentar fragilizar a atuação do Iphan, mais uma vez, levantar a falsa e velha dicotomia entre ‘desenvolvimento’ e ‘preservação’.
Cabe ressaltar que, desde 1938, o Iphan atua no sentido de proteger o rico patrimônio cultural do Brasil. Em Salvador, concentra-se a maioria dos bens tombados do estado da Bahia. Especialmente no bairro da Barra, ao Iphan cabe preservar o forte e farol de Santo Antônio, o forte de Santa Maria, o conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do Outeiro de Santo Antônio (que inclui o forte de São Diogo), além da própria Igreja de Santo Antônio.
(…)
É importante registrar que o Ministro Marcelo Calero em nenhum momento interferiu em qualquer decisão técnica do Iphan. Ao contrário, garantiu o livre e soberano posicionamento técnico da instituição, pela qual sempre demonstrou apreço e respeito.
Por fim, reafirmamos nosso compromisso com o fortalecimento da Instituição -cuja trajetória ilibada é reconhecidamente pautada em preceitos técnicos e pela retidão de todos nós, servidores- com a sociedade e com a identidade do País.”
Encerro
Calero está fora. O projeto, em sua forma original, não será levado adiante. E o Ministério da Cultura vai para as mãos de Roberto Freire. Muito bem: na hipótese de que parte do patrimônio cultural de Salvador estivesse mesmo sob ameaça, então nos tranquilizemos. Não serão erguidos os 31 andares. Mas é inequívoco que o problema de fundo permanece: a suspeita de que Geddel não atuou para defender o interesse do país.
Coisas assim não podem se repetir. Isso mina a reputação do governo.