Leitores estavam me perguntando se eu tinha visto a reportagem do Fantástico de ontem sobre a descriminação da maconha e sobre o filme “Quebrando o Tabu”. Não! Vi há pouco no site do programa. O vídeo segue no pé deste post. Após a apresentação da reportagem, 57% dos telespectadores opinaram numa pesquisa instantânea que o consumo da droga deveria ser “permitido e regulamentado” — é o que está na página.
Sós 57%? A edição da reportagem é tão escancaradamente favorável à “regulamentação” que esse resultado deve ser visto como “rejeição” à tese!. Começa com a polícia malvada batendo cassetete em seus escudos e avançando contra os pobrezinhos favoráveis à “liberdade de expressão”, que desafiavam uma ordem judicial. Polícia feia! Contestando a força repressora, a fala de um jornalista. Por que não?
Dão seu testemunho a favor da “regulamentação”, o novo vocábulo para o assunto que o Fantástico decidiu lançar (nota: regulamentado já está), as seguinte personalidades:
– Deputado Paulo Teixeira (PT-SP)_;
– FHC;
– Fernando Gronstein (o diretor do filme);
– o médico Elisaldo Carlini, apresentado como grande especialista;
– ministro da Saúde de Portugal, segundo quem a descriminação em Portugal fez baixar o consumo de drogas;
– o escritor Paulo Coelho;
– com imagens do filme, ficamos sabendo que comungam da tese os ex-presidentes Ernesto Zedillo (México), César Gavíria (Colômbia), Bill Clinton (EUA) e Jimmy Carter (EUA) e Drauzio Varella;
– e, bem, dada a condução do programa, podem considerar a repórter Sônia Bridi.
Contaram? Doze pessoas.
E aí o professor Ronaldo Laranjeira, profundo conhecedor da área, foi chamado para fazer o contraponto, para ser o “outro lado”, o que conferiria “isenção” à reportagem. Lamento! Se era uma peça do show da vida, tudo bem! Se era jornalismo, foi um péssimo momento! Laranjeira foi feito de bobo, e isso chega a ser desrespeitoso.
O texto de Sônia faz o elenco apenas dos dados que interessam à tese da descriminação. A reportagem é um queijo suíço. Pra começo de conversa, não se informa que o que está em debate é a descriminação de TODAS AS DROGAS, não apenas da maconha, única hipótese que, em tese ao menos, o gatilho da bandidagem poderia ser desativado. É uma tese besta, mas até a besteira tem de ter alguma lógica para ser verossímil ao menos.
Ouve-se a voz do ministro da Saúde de Portugal a afirmar (veja que luso esse meu infinitivo…) que, com a descriminação do consumo, os jovens passaram a consumir menos drogas ilícitas. Pode até ser, mas lhe caberia explicar, e não há lógica possível, por que uma coisa levou à outra. A jabuticaba é exclusiva do Brasil; aquele tipo de relação causal pode ser tipicamente portuguesa. Se caiu, deve haver outro fator que explique, a menos que partamos do princípio de que o proibido, com efeito, é mais gostoso… Isso não é sério.
FHC relata experiências da Holanda, Portugal e tal e depois diz:
“Eu não estou pregando isso para o Brasil, porque a situação é diferente, o nível de cultura, riqueza e violência é diferente. Cada país tem que buscar seu caminho. É isso que eu acho fundamental. Quebrar o tabu, começar a discutir e ver o que nós fazemos com a droga”.
“Quebrando o tabu” é o nome do filme. Que tabu? Não há tabu nenhum! Essa é a abordagem que interessa ao diretor do filme, que já é um sucesso de crítica antes mesmo de vir a público. Perguntem ao professor Laranjeira. Ele dispõe dos dados necessários porque é um especialista no assunto, um estudioso da área e conhece o tratamento clínico.
Mas vejo que já comecei a argumentar. O ponto não é esse. Aqueles 57% que responderam a enquete do Fantástico não significam nada. Se os outros 43% disseram “não”, fico com esse dado como evidência do repúdio que a tese desperta. De tal sorte a reportagem tenta induzir o telespectador que o que quer que venha depois como interatividade está inteiramente viciado. Sem contar que a turma da maconha é organizada. Pais e mães de família têm mais o que fazer.
No próximo post, dou uma dica a especialistas quando forem convidados a dar uma opinião sobre assuntos que são quase consensuais na imprensa, mas não na sociedade.
PS – Não sou simpático a plebiscitos, como sabem. Mas estou pensando em sugerir um sobre drogas. A turma favorável à descriminação terá direito de ir à TV defender seu ponto de vista, e os que são contrários também. Da forma como andam a democracia e a isenção jornalística, é a única chance de o país ter o direito ao contraditório ao menos. Segue a matéria do Fantástico. E faço um PS2 depois dele.
https://video.globo.com/Portal/videos/cda/player/player.swf
PS2 – “E você, Reinaldo, não induziu os seus leitores a ver com olhos críticos a reportagem do Fantástico?” Eu dou opinião, todo mundo sabe. Não chamo de “reportagem” o que faço aqui. Se a Globo quiser fazer um editorial a favor da descriminação das drogas, tem o direito de fazê-lo, deixando claro que se trata de um editorial. E não exibo enquete como tendência de opinião pública.