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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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A corrosão lenta e gradual da democracia, os cúmplices barulhentos e os silenciosos cúmplices

Nada como começar com este vídeo. Volto em seguida: Foi a mensagem do papa Bento 16 transmitida ontem a bispos brasileiros. E ele também prefere “descriminação” a “descriminalização”, a exemplo deste blog… Vamos ao ponto. Quando é que a democracia começa a correr riscos? Quando agressões à ordem constitucional e à liberdade de expressão são […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 13h47 - Publicado em 29 out 2010, 07h25

Nada como começar com este vídeo. Volto em seguida:[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=ny9ZmOBasgI&w=480&h=385]

Foi a mensagem do papa Bento 16 transmitida ontem a bispos brasileiros. E ele também prefere “descriminação” a “descriminalização”, a exemplo deste blog… Vamos ao ponto.

Quando é que a democracia começa a correr riscos? Quando agressões à ordem constitucional e à liberdade de expressão são praticadas sem a devida reação daqueles que têm a obrigação política e moral de defender os pilares da democracia e do estado de direito. São lugares privilegiados dessa defesa a imprensa, as associações de advogados — que só existem porque existe uma ordem legal — e as entidades comprometidas com a defesa dos direitos humanos. Quando falo em “risco”, não imagino um golpe ao velho estilo do “putschismo”. Essa forma de assalto ao poder só existe em sociedades ainda muito primitivas, de baixo desenvolvimento institucional. Nas complexas, como a nossa, essas aventuras já são impossíveis. A luta dos autoritários se dá de outro modo; tem outra natureza.

No dia 24 de outubro, Henrique Neves, ministro do TSE, mandou recolher impressos encomendados pela Diocese de Guarulhos à Gráfica Pana. Tratava-se de um lote de um milhão de folhetos com o “Apelo a Todos os Brasileiros”, documento redigido pela Comissão em Defesa da Vida da Regional Sul I da CNBB. Não era um texto apócrifo; ao contrário até: trazia a assinatura de três bispos. Ali se expunham os princípios da fé católica, recomendava-se que os fiéis não votassem em candidatos favoráveis ao aborto e se fazia a história dos vínculos entre o PT e sua candidata e a defesa da descriminação do aborto, que a Igreja considera um abominação.

Os petistas se mobilizaram para pressionar a Igreja, fortemente infiltrada pelo partido, o que não é segredo para ninguém. A CNBB veio a público para dizer que o documento não era da entidade como um todo. O PT recorreu ao tribunal e conseguiu fazer com que a Polícia Federal recolhesse os exemplares de um texto que, atenção!, tinha sido aprovado no dia 3 de julho! A imprensa, com as exceções conhecidas, não apenas silenciou diante da agressão óbvia à liberdade de expressão e à liberdade religiosa como integrou o pelotão de fuzilamento dos donos da gráfica Pana.

O fala de Bento 16, que abre este post, não pauta, é claro, a legislação brasileira — e eu me pergunto até hoje qual letra da lei foi agravada pelo impresso encomendado pela Diocese de Guarulhos. O papa, em sua mensagem aos bispos brasileiros, lembrou os princípios da fé de que ele é autoridade máxima. Sem infringir, a não ser segundo a liminar de Henrique Neves, as leis do Brasil, bispos cumpriam a missão pastoral que lhes confiou a Igreja Católica, atuando na defesa de sua fé, como fazem todas as religiões nos países democráticos.

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Mas quê… O conteúdo do apelo dos religiosos estava em desacordo com o pensamento médio e influente das redações. O raciocínio tosco é este: como existe separação entre Igreja e Estado no Brasil, então os religiosos não devem se manifestar sobre assuntos que não sejam pertinentes a seu credo. Em vez de separação, ter-se-ia, então, uma relação de oposição. Ainda era pouco: indivíduos “flagrados” com a mensagem passaram a ser denunciados pela Polícia, como se o “Apelo” fosse, sei lá, literatura subversiva. E se fez um tenebroso silêncio sobre uma escandalosa arbitrariedade. Algum advogado ou juiz deste imenso país é capaz de me dizer por que alguém é detido por portar um apelo contra o aborto?

Supremo
Silêncio ou cumplicidade também se seguiram àquele absurdo perpetrado anteontem no Supremo Tribunal Federal. E receio que alguns leitores não entenderam exatamente a minha restrição, confundindo a questão central de meu texto de ontem — a crítica à acochambração judicial — com minha opinião sobre a tal Lei da Ficha Limpa. De fato, eu a considero inconstitucional (ao menos para a Constituição que temos, e só temos a que está aí, não?), mas minha crítica nada teve a ver com isso. Repudiei, e não há quem possa justificar tecnicamente a decisão — nem Cezar Peluso conseguiu fazê-lo ao proclamar o resultado, o que restou como emblema do imbróglio —, que se tenha recorrido a artifícios retóricos (o que Peluso também admitiu) para justificar a decisão quando o Regimento Interno do tribunal apontava o caminho para desempatar a contenda: o voto qualificado do presidente — que, notem bem, poderia ter votado, sim, contra Jader Barbalho; ou, ainda, se quisesse, ter reformado seu próprio voto, o que sempre é possível antes da proclamação do resultado.

Tivesse Peluso feito isso, eu, então, mesmo um crítico da lei, não estaria escrevendo esta crítica. Tivesse Peluso feito isso, aquele discurso sobre o peso da função, que o obrigaria a condescender com algo que sua própria consciência repudia, seria mais do que um dramazinho retórico, sem muita substância, como foi. Até porque ele, à diferença de muitos homens de estado levados às vezes a atuar contra a própria convicção, preferiu não decidir; fugiu da questão; driblou-a, com a ajuda engenhosa de Celso de Mello. E ainda emendou com aquele ar muito característico de enfado: “A história vai nos julgar”. Nem sempre, ministro! Há aqueles que a história simplesmente esquece.

Pior de tudo: no discurso de alguns ministros, mais de uma vez se ouviu o argumento  —, que não consta de nenhuma prescrição constitucional, legal ou processual — que pretende ser definitivo: “a vontade do povo”. Então é em nome dela que se pode renunciar ao que está escrito para decidir segundo o que não está? Pois saibam todos vocês que me lêem: potencialmente ao menos, a partir de anteontem, estamos todos menos seguros. Nenhum de nós sabe quando uma causa que nos interessa pode chegar ao Supremo. Chegando, nenhum de nós está seguro de que os ministros usarão os códigos por todos conhecidos. Nenhum de nós estará protegido da eventualidade de alguém sugerir, com o assentimento da maioria, que a lei seja deixada de lado em nome de uma decisão tomada por “analogia”.

Entenderam onde está o busílis da coisa?

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E atenção: também está assente na memória jurídica brasileira que uma lei não pode retroagir para punir comportamentos que antes não eram passíveis de punição. Basta que se diga que não se trata de retroatividade, mas do estabelecimento de novas precondições para o exercício de uma determinada função. Pronto! O puro nominalismo toma o lugar do princípio. É como se Delúbio Soares chamasse caixa dois de “recursos não-contabilizados”. Nesse caso, é uma “retroatividade inconstitucional não-contabilizada”.  A muitos escapa que, ao se abrirem essas porteiras por onde se pegam, com efeito, alguns larápios, abrem-se, isto sim, as portas do arbítrio. Não há democracia sólida no mundo que condescendesse com essas práticas. Esse não é o caminho da moralização, não! Esse é o caminho da perdição. A essas mágicas, outras podem se seguir.

Sem lei
Já nos basta um processo eleitoral tisnado pela absoluta ausência de limites e de compostura do presidente da República e do governo federal, que entraram na disputa de uma maneira desavergonhada, sem que tenham sido minimamente coibidos pelo TSE — a não ser por uma penca de multas que não coíbem nada. Ora, a desproporção entre as ações é escandalosa. Qual foi a mais estrepitosa determinada pelo TSE, por intermédio de Henrique Neves? A ordem para que a Polícia Federal recolhesse os folhetos que a Diocese de Guarulhos havia mandado imprimir.

Imaginem vocês: num processo eleitoral em que máquina pública e a máquina sindical se juntam, contra a lei, para apoiar uma candidata e atacar o seu adversário, a polícia foi acionada para molestar religiosos que haviam mandado imprimir um folheto com os princípios de sua fé, segundo, como resta claro, a orientação da Igreja Católica e do papa Bento 16. O papa não manda nas leis do Brasil. As leis do Brasil é que garantem aos católicos seguir a orientação do papa.

Encerro
Os tolinhos indagam o que será deste blog vença um ou vença outra. Continuará a ser o que é; a defender os princípios no qual acredita, sem olhar se, no momento, eles interessam a esse ou àquele. “Ah, mas você não gosta das esquerdas!” É claro que não! Defendo, no entanto, que sejam combatidas segundo os limites da lei — se e enquanto essas leis obedecerem aos valores universais da democracia. Se, um dia, no poder, essas esquerdas decidirem, como costumam fazer, solapar a democracia em nome da democracia, então eu procurarei solapar a ditadura em nome da… mesma democracia!

Combato, sim, os cúmplices barulhentos desse aviltamento institucional. Mas meu respeito por eles ainda é ligeiramente maior do que pelos silenciosos cúmplices. E nem me ocorre aquele papo de que pior é o “silêncio dos bons”. Afinal, se bons, por que silenciosos? Se silenciosos, por que bons? A democracia e o estado de direito pedem clareza!

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