Ou era maluquice ou má fé. Até então, eu não sabia que a versão usada pela revista para exercitar seus delírios era, como direi?, falsificada, já que desconsiderava o que não servia aos propósitos da capa. Voltei ao tema no sábado quando contestei uma besteira dita pelo ombudsman da Folha, Marcelo Beraba, segundo a qual a opção feita por Carta Capital era uma espécie de “outro lado” do que fizera a Veja na mesma semana. Ele se referia à capa que denunciava os esforços para afastar do Planalto o caso do dossiê. Procurei evidenciar que havia
a) uma imensa diferença de rigor jornalístico entre as duas reportagens;
b) que os fatos posteriores referendaram a reportagem de Veja;
c) que a própria Folha fez uma reportagem acrescentando um fato novo e corroborando o texto da revista (leia abaixo).
Mas, é claro, Beraba não precisa acreditar em mim quando se trata do padrão jornalístico de Carta Capital. Que acredite na confissão de Mino Carta. Segue em itálico o que ele publica em seu blog. Depois retorno:
“CartaCapital merece hoje uma chamada de capa de O Globo e referências na coluna de Luiz Garcia, no mesmo jornal. Diz o diário carioca que a transcrição da fita feita pela revista omite informações. Uma, basicamente. O delegado Bruno, além de solicitar a publicação dos fotos do dinheiro pelo Jornal Nacional, também mencionou o SBT e a Band. Verdade factual. Ocorre, porém, que Raimundo Pereira, autor da nossa reportagem, tinha à mão, no momento de deitar no papel os resultados de sua investigação, apenas e tão somente a transcrição parcial colocada por Ricardo Azenha, aliás repórter da TV Globo, no seu site pessoal. De verdade, ele ouvira a fita e publicou alguns trechos da conversa. Não havia ali qualquer referência ao SBT e à Band. Azenha deu a informação na semana seguinte à eleição e a mídia passou batida. CartaCapital recuperou-a somente a partir do dia 9, e dela se originou a primeira reportagem de Raimundo Pereira. Quanto à coluna de Luiz Garcia, que já trabalhou comigo nos primeiros tempos de Veja e não creio tenha dúvidas sobre minha boa fé, é importante entender que CartaCapital jamais negou o crime cometido pelos trapalhões do PT, e até dedicou uma capa ao assunto, na edição de 27 de setembro. O Lado Escuro do PT, dizia a chamada de capa, e esclarecia: a compra do dossiê contra Serra expõe a banda podre do partido. O que a revista não justifica é que a mídia nativa, quase em bloco, escamoteia informações e editorializa títulos e textos na sua feroz campanha anti-Lula. É a história de sempre: esconde-se a parcialidade de sempre por trás do biombo da neutralidade tartufesca.”
Rá, rá, rá. Uma semana depois, Mino confessa o que não dá mais para esconder: Carta Capital trabalhou com uma versão parcial da conversa. Esquece de informar ao leitor que a tese que sustenta é desmoralizada pela omissão. E, quero crer, o diretor de Redação — ele próprio —também não se interessou pelo material, apenas pela tese. Ou o redator-chefe. Ou sei lá quem… ALguém que mande naquele troço. Vai ver estava todo mundo jogando tênis.
Mino gosta de ser o Platão de Lula, seu modelo de Tirano de Siracusa. Eles se conhecem faz tempo. Não sei quem aprendeu com quem. Quando seu governo é pego em flagrante, o Apedeuta tem sempre um companheiro para acusar. Reparem que Mino joga a responsabilidade por sua capa mentirosa, primeiramente, nas costas de Raimundo Pereira. Mas não só. Também culpa um certo “Ricardo Azenha”.
Deve estar se referindo a Luiz Carlos Azenha. Mais uma vez, revela-se o amor pela precisão. Ah, claro, ele faz questão de destacar que Azenha pertence aos quadros da Globo. Outra semelhança com o petismo, que remete àquela mesma dúvida sobre quem aprendeu com quem: a culpa é sempre da vítima. Referindo-se a um outro texto do Globo, assinado por Luiz Garcia, Mino evoca a seu favor o testemunho do jornalista. Já trabalharam juntos: “não creio tenha dúvidas sobre minha boa fé”. É um truque manjado: chame a boa fé passada para endossar a má fé presente.
Sentiu, Beraba, a diferença ou quer que desenhe? Carta Capital montou um capa-denúncia, uma matéria-bomba, que buscava trazer à luz um verdadeiro complô, e nem sequer se deu o trabalho de buscar a gravação original. De fato, trata-se de um “outro lado” em relação à Veja: o outro lado do jornalismo.
Delírio
Mino é outro que entra na categoria dos que “não aprendem nada nem esquecem nada”. Escreve ainda em seu blog: “O jornal O Dia está a ministrar uma aula de jornalismo aos mais celebrados diários da imprensa nativa. Repercutiu largamente a reportagem de capa da semana passada, com notável precisão. E isenção. Ontem, fim da tarde, fui procurado por um repórter de O Dia e pelo próprio secretário de redação. Queriam informações sobre a nova reportagem de capa.”
Vocês entenderam? “Repercutir largamente a reportagem de capa” de Carta Capital torna um veículo apto a dar aula aos demais. A soberba é inversamente proporcional à estatura do jornalismo praticado. E, claro, não custa lembrar: Mino só faz essa retratação trôpega e arrogante porque o próprio grupo Globo se encarregou de tornar pública a versão integral da gravação. Sem contar que Ali Kamel já havia desmoralizado, linha por linha, em artigo no Observatório da Imprensa, a peça acusatória da Carta Capital.
Quanto à capa crítica ao PT com que Mino tenta provar a sua isenção, trata-se apenas da velha homenagem que, de vez em quando, o vício presta à virtude.