De uma hora para outra, a Embraer passou de empresa rejeitada pela Boeing para se tornar na empresa do futuro com seus eVTOLs, os carros voadores elétricos que estão sendo desenvolvidos pela sua startup Eve. O gráfico do desempenho das ações da empresa mostra claramente o movimento. Mas, daqui a cinco anos, quando a empresa se instalar no futuro com a entrega dos eVTOLs a seus clientes, ainda estará apenas no começo de uma outra agenda: o ESG. A começar pela igualdade de gênero. A empresa estabeleceu apenas neste ano uma meta de ter 20% de mulheres em cargos de liderança. Apenas 20%, até 2025. Ou seja, quando estiver entregando seus carros voadores ainda terá uma empresa essencialmente comandada por homens. O vice-presidente de pessoas e sustentabilidade se explica: “Toda a formação de talentos vem de uma engenharia eminentemente masculina”. O presidente da empresa quer mostrar que a mudança já começou: “Três das nossas mais importantes plantas são gerenciadas por mulheres. Apesar das dificuldades, são promoções feitas recentemente. São bons exemplos da nova política”.
A questão de gênero é apenas um dos pontos que a Embraer está abraçando para atender a demanda crescente de investidores, clientes, consumidores, pelo ESG. No seu último o balanço, o do segundo trimestre do ano, e que foi também o primeiro com lucro desde 2018, a empresa anunciou pela primeira vez metas claras para zerar emissão de carbono e tornar suas aeronaves menos poluentes. A mudança na empresa está sendo comandada por Francisco Gomes Neto, que chegou à companhia em 2019, vindo da Marcopolo, e que concedeu a seguinte entrevista ao Radar Econômico.
O que o senhor entende que é o ESG? O aquecimento global é um dos maiores desafios que nós temos. A temperatura do planeta continua a subir e a nossa sociedade continua enfrentando grandes diferenças sociais. As empresas têm um papel importante nessa missão. Na Embraer, temos melhorado nossa governança e aprimorado a parte social. Achamos que é um momento de sermos ainda mais firmes nesse sentido. Na última divulgação de resultados, anunciamos nossos novos compromissos para reduzir emissões de carbono e buscar uma sociedade mais inclusiva.
Como se deu essa mudança? Foi por pressão dos acionistas, dos consumidores, dos governos? É uma tendência global. Essa demanda por um foco maior no meio ambiente, na parte social, na inclusão e na governança é uma demanda global de investidores, analistas e, até, internamente na companhia. Não é um assunto novo na Embraer, estamos, simplesmente, assumindo compromissos mais arrojados nessas três frentes.
Quais são as metas? No meio ambiente, nossa meta é ser uma empresa carbono neutro até 2040. Para isso, temos de reduzir o máximo possível as nossas emissões. Cerca de 75% das nossas emissões estão no combustível para teste e entrega dos aviões, além da energia usada nas fábricas. Para atingir a meta, vamos focar no uso do combustível sustentável e no uso de energia solar e eólica nas fábricas. É dessa forma que pretendemos atingir a meta de ser empresa carbono neutro. Além disso, estamos apoiando a indústria aeronáutica para ser carbono neutro até 2050. No caso da edificação, estamos desenvolvendo o eVTOL, um veículo 100% elétrico. Vamos certificar o veículo até 2025 e, a operação, deve começar em 2026. Em julho, fizemos o primeiro voo do Ipanema elétrico, um demonstrador para testar tecnologia. A outra frente é no hidrogênio verde, onde esperamos testes nas aeronaves até 2025.
A frota muda também? Os nossos aviões já estão preparados para operar com combustível verde. Estão preparados para receber até 50% desse combustível. Vamos trabalhar para atingir 100% até 2030.
Como o cronograma é montado? Esse combustível depende muito dos motores dos aviões, que não são produzidos pela Embraer. Temos de trabalhar em conjunto para fazer a certificação de motores de maior nível de combustível verde. É importante ter disponibilidade a preços competitivos. O Brasil não produz isso hoje e aquele que é feito nos Estados Unidos é 100% mais caro que o querosene da aviação. Nosso compromisso é trabalhar com os fornecedores para atingir a meta até 2030.
Estamos atrasados em termos de meio ambiente? É um grande desafio. Por conta do foco maior no ESG, é uma missão de todos acelerar esse processo. Estão todos anunciando as metas e compromissos com essa mudança.
Quando teremos um primeiro modelo mais sustentável na área comercial? Os jatos E2 já trazem contribuição importante porque são mais eficientes. Contudo, já é um mercado mais complexo pelo tamanho das aeronaves e pelas grandes distâncias. Vai depender do uso do SAF e, num segundo momento, da propulsão, com hidrogênio ou via elétrica, no desenvolvimento de baterias, mas é uma solução mais complexa.
E as outras letras do ESG? No G, a Embraer já tinha padrões internacionais de governança, mas, recentemente, nomeamos a segunda mulher para o conselho de administração e, agora, estamos aguardando aprovação dos acionistas para nomeação de dois conselhos internacionais, para diversificar e reforçar nossa governança. No S, a gente tem preparado jovens no Instituto Embraer, com alto nível de aprovação no Enem. Continuamos investindo no instituto. Outra meta que assumimos é de ter metade das contratações na Embraer oriundas de minorias até 2025. Temos o objetivo de ter pelo menos 20% da liderança sênior da Embraer composta por mulheres. São dois compromissos na linha do S.
O eVTOL é um carro voador, algo do futuro. Não parece pouco ter só 20% de mulheres em cargos de liderança em 2025? Carlos Griner, vice-presidente de pessoas e sustentabilidade, responde: O motivo é que temos uma indústria majoritariamente masculina. Toda a formação de talentos vem de uma engenharia eminentemente masculina. A gente tem o alcance de fazer a transição na porta de entrada. No nosso programa específico de mestrado em engenharia aeronáutica, onde podemos acelerar esse processo, vamos aumentar esse compromisso para 25% de mulheres. A empresa está totalmente aberta a acelerar. Francisco Gomes Neto completa: três das nossas mais importantes plantas são gerenciadas por mulheres. Nossas plantas de Gavião Peixoto, Melbourne e a de trens de pouso são comandadas por mulheres e, apesar das dificuldades, são promoções feitas recentemente. São bons exemplos da nova política.
Como vocês pensam a questão racial? Carlos Griner: Nós estamos realizando um censo para ver o que cada um se considera do ponto de vista étnico e racial. Primeiro estamos conduzindo um trabalho de treinamento e sensibilização de toda a liderança no tema da diversidade. Até o final do ano, teremos toda a liderança treinada e, no ano que vem, vamos treinar todos os colaboradores da Embraer para criar um ambiente mais inclusivo e aberto. No segundo semestre, vamos conduzir um censo para ter números e referências mais sólidas para, a partir do ano que vem, trazer compromissos ligados à questão racial e a outros temas que devem aparecer no censo que será feito no segundo semestre.
O senhor teve de mudar o seu jeito de pensar para incluir mais mulheres e negros? Eu sempre usei como ferramenta de gestão o trabalho em equipe, e para ele ser mais bem-sucedido, deve ter diversidade de pensamento e de cultura. Eu tive a sorte de ter experiências nacionais e internacionais com diferentes tipos de cultura e pessoas. Eu, pessoalmente, nunca tive nenhum problema em relação a isso. Sempre valorizei a diversidade em todos os aspectos, e tem sido tranquilo abraçar a todos esses projetos, que vão fortalecer esse espírito de equipe e informação que conseguimos com os times. A Embraer tem uma equipe muito competente e apaixonada pelo que faz. Vou apoiar as iniciativas.
O Brasil está com uma imagem de preservação do meio ambiente ruim lá fora. Isso afeta o negócio da companhia? Nos eventos que temos participado, vemos que eles querem ouvir da Embraer o que será feito, como a companhia se posiciona. Claro que é importante todo mundo caminhar na mesma direção, mas o foco maior é nos nossos próprios compromissos.