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O shortinho da Mulher-Maravilha contra o neomoralismo feminista

Para o criador da Mulher-Maravilha, a sensualidade da personagem era tão estratégica quanto a sua altivez de guerreira

Por Maicon Tenfen Atualizado em 25 set 2017, 04h03 - Publicado em 25 set 2017, 03h32
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  • Uma única personagem das histórias em quadrinhos fez mais pela emancipação das mulheres do que todas as ações do movimento feminista ao longo do século XX — pelo menos é essa a mensagem do livro A História Secreta da Mulher-Maravilha, da pesquisadora americana Jill Lepore, recentemente lançado no Brasil.

    Com o sucesso do Super-homem, que surgiu em 1938, os editores passaram a receber enxurradas de críticas vindas de pais e professores que acreditavam no potencial deseducador dos quadrinhos. Uma das poucas vozes discordantes era a do psicólogo William Moulton Marston, formado em Harvard e notório, entre outras coisas, por ter inventado o detector de mentiras.

    Marston era um feminista avant la lettre. Além de acreditar que o mundo seria melhor sob o “domínio amoroso” das mulheres, apostava na nascente cultura de massas como ferramenta transformadora da realidade. Chamado para dar uma consultoria à DC Comics, convenceu os editores de que uma super-heroína teria sucesso garantido num mercado saturado de personagens masculinos.

    Recebeu não apenas a carta branca, mas também o convite para escrever os primeiros roteiros. Hoje a Mulher-Maravilha arrasa quarteirões nos filmes estrelados por Gal Gadot, mas tudo começou com o esboço chinfrim de uma moça usando sandálias gregas, minissaia, bustiê, braceletes e uma tiara de rainha em torno dos cabelos anelados.

    — Precisamos melhorar o design — disse o criador ao desenhista. — Quero shortinho e botas vermelhas de cano alto!

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    Não deixa de ser curioso que Marston tenha enfrentado a oposição das próprias mulheres — roteiristas, editoras, psicólogas — quanto aos trajes da Mulher-Maravilha, que estaria provocante demais para uma personagem feminina cujas histórias não eram romancinhos água com açúcar. Além disso, o fato de que a heroína frequentemente aparecia amarrada e amordaçada em suas aventuras fez muita gente especular sobre os desejos fetichistas do autor, apenas um homem perverso se aproveitando do corpo feminino e bibibi e bobobó.

    A verdade é que o Professor Marston, como era conhecido, estava usando os quadrinhos para implementar um inusitado projeto de igualdade sexual:

    — A Mulher-Maravilha tem braceletes soldados aos pulsos — explicou certa vez. — Ela pode usá-los para repelir as balas. Porém, se deixar algum homem soldar correntes a estes braceletes, ela perde o seu poder. É isso o que acontece às mulheres que se submetem à dominação masculina.

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    Esta era a criptonita da Mulher-Maravilha, que mesmo assim mantinha um namorinho com o piloto da força aérea Steve Trevor. A mensagem não era “repelir os homens”, apenas tomar cuidado com as suas tentativas de assumir o controle. Presa ou acorrentada pelos bandidos, a heroína sempre dava um jeito de se libertar, ato simbólico que estendia a todas as personagens femininas que se encontrassem em dificuldade.

    Marston acreditava que essas historinhas ajudariam as novas gerações a se prepararem para um mundo novo e melhor.

    — A Mulher-Maravilha — dizia — foi concebida para estabelecer, entre as crianças e os jovens, um modelo de feminilidade forte, livre e corajosa; para combater a ideia de que as mulheres são inferiores aos homens, e para inspirar meninas à autoconfiança e às realizações no atletismo, nas ocupações e profissões monopolizadas pelos homens.

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    William Moulton Marston morreu precocemente em 1947. Depois de um tempo, descobriu-se que ele mantinha um casamento nada convencional com duas mulheres ao mesmo tempo, Elizabeth Holloway e Olive Byrne, ambas inspiradoras e colaboradoras das primeiras histórias da Mulher-Maravilha (este, aliás, é o tema do filme Professor Marston and the Wonder Women, ainda sem data de estreia no Brasil).

    Holloway e Byrne conheciam a filosofia e os propósitos do marido, mas nenhuma delas teve autorização da DC Comics para prosseguir colaborando com os roteiros da Mulher-Maravilha. Como resultado, a personagem se tornou bobinha e inofensiva, passou a rezar pela cartilha da época, ficou louca para se casar com Steve (que agora se fazia de difícil) e chegou a atuar como babá, modelo e conselheira sentimental em muitas das novas histórias.

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    Feministas como Gloria Steinem tentaram resgatar a personagem na década de 1970 ao colocá-la na capa da Ms, uma revista feminina que pretendia combater as outras revistas femininas (?!), mas a verdade é que o movimento feminista se tornou complexo demais e acabou rachando nos Estados Unidos, dividido entre liberais e radicais que se ocupavam de ataques mútuos enquanto as mulheres continuavam ganhando menos do que os homens.

    Indiferente a isso, a Mulher-Maravilha virou seriado de TV com a Miss América Lynda Carter. O máximo que conseguiu das feministas — de novo! — foram críticas raivosas quanto à objetificação do corpo da mulher. A revolução sexual estava em curso, mas o vestuário continuava incomodando, princípio de um neomoralismo bobo que de lá pra cá vem enchendo o saco de todo mundo, homens e mulheres.

    Deve ser por isso que os produtores — e a diretora! — do longa-metragem da Mulher-Maravilha vestiram a Gal Gadot com uma peça de roupa que mescla as características de uma saia militar e um shortinho de cachorra.

    Alguém finalmente entendeu o Professor Marston.

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