Alfred Hitchcock costumava dizer que a diferença entre suspense e mistério está relacionada a uma questão de perspectiva. Temos mistério quando o personagem sabe algo que o público não sabe e temos suspense quando o público sabe algo que o personagem não sabe. Confuso? Vamos a um exemplo trivial.
Se o detetive triunfa em seu Momento Scooby-doo ao iluminar tudo que passou batido pelo público, estamos num clássico desfecho de mistério. Supondo que haja na sala uma bomba ignorada pelos personagens — mas visualizada pelo público — então deparamos com o suspense em sua forma mais primordial.
Um jogo da Copa do Mundo — mas um bom como foi Inglaterra e Croácia — possui elementos conjuntos de suspense e mistério para Hitchcock nenhum botar defeito. Não existem roteiristas ou diretores capazes de reproduzir a atmosfera de uma partida decisiva e disputada até o último minuto da prorrogação.
Nem o público nem os jogadores possuem informações privilegiadas sobre o que quer que seja, simplesmente porque tudo está acontecendo em tempo real. Por isso o suspense e o mistério são levados a um paroxismo que só o esporte — e particularmente o futebol — pode proporcionar.
A armação do cenário, a caraterização dos personagens, o enredo imprevisível, os pontos de virada, o clímax, a finalização fatídica… a narrativa é tão robusta que Aristóteles, se vivesse no nosso tempo, negligenciaria o teatro grego para estudar a Catarse advinda de uma boa partida de futebol.
Deve ser por isso que as Copas começam mornas, com pesquisas indicando a apatia do público, e terminam numa explosão de envolvimento emocional — mesmo que a nossa seleção esteja fora do páreo. É impossível não se interessar por uma narrativa em que cavaleiros de todos os quadrantes lutam pela conquista do Graal.
Assim, para terminar com perfeição, o conto deste ano deveria reservar um final feliz a um dos times mais humildes e desconhecidos do campeonato, um grupo que soube trabalhar em equipe e, quietinho, aos poucos, foi vencendo os moinhos de vento e se aproximando da Taça Dourada.
Será que a Croácia leva?
Em qualquer filme — de Hitchcock ou não — a resposta seria sim.
No entanto, como estamos numa história contada em tempo real, o jeito é aguardar o dia 15 para descobrir.