Chama atenção e desperta suspeitas o súbito fervor religioso de alguns de nossos políticos de variadas tendências – de conservadores do DEM e do MDB a esquerdistas do PT e até velhos comunistas ateus – às vésperas da grande festa católica no Vaticano: a canonização da primeira santa brasileira, Irmã Dulce dos pobres , neste domingo, 13 de outubro. Afinal, estamos falando do país laico cujo Congresso atrasa, o quanto pode, a aprovação da crucial Reforma da Previdência, no Senado presidido por Davi Alcolumbre (MDB). Ao tempo em que, na Câmara de Rodrigo Maia, se joga o máximo de cascas de bananas no caminho da votação das medidas fundamentais, ao controle da violência no país, do pac ote anticrime do ministro Sérgio Moro.
Em Brasília foi disputado a muque um assento em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), por parlamentares que viajaram à Roma, nas caravanas custeadas pelo dinheiro do combalido “cofre as viúva”. Maia seguiu no primeiro vôo, dando nítida impressão de estar tomado de inebriante e irrefreável devoção. Bem mais forte que a revelada pelo católico ACM Neto, presidente nacional do DEM, prefeito de Salvador, que vai às missas aos domingos, e à Basílica do Bonfim, na última sexta-feira de cada mês. Antes, ACM Neto comunicara, via assessores, que sua viagem, aos domínios do Papa Francisco, seria em avião de carreira. Nesta quinta-feira do embarque, o nome do prefeito da capital, onde nasceu a primeira santa brasileira, constava de uma das listas de viajantes em aviões da FAB, na comitiva do vice-presidente Hamilton Mourão (chefe da delegação oficial que representará o governo brasileiro nas cerimônias no Vaticano), integrada, também pelo senador Jaques Wagner (PT), segundo o Itamaraty.
Tamanho alvoroço nos arraiais da política, em ano pré-eleitoral, desperta desconfiança e críticas. Voz expressiva do clero católico, o cardeal dom Raimundo Damasceno, ex-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil -CNBB, eleva sua fala de condenação das caravanas parlamentares à Roma neste evento da santificação da freira soteropolitana. Para dom Damasceno, os políticos que desejam participar da cerimônia, por algum motivo, deveriam pagar a viagem com o próprio dinheiro. Outras vozes religiosas de peso são ainda mais enfáticas, ao condenar as levas de deputados e senadores à cerimônia religiosa dos católicos, azeitadas por interesses políticos e eleitoreiros mal disfarçados, submersos e subvencionados com grana do Erário. A canonização, lembram, é um ato religioso, sendo imprópria – e desnecessária – a presença de representantes do Parlamento do Brasil, um Estado laico.
No clero de Salvador, que convive mais de perto e diretamente com os exemplos de doação pessoal, sacrifícios e superação de obstáculos, da freirinha aparentemente frágil, mas gigante de força, obstinação e fé na construção de uma vida e obra agora santificadas por sua igreja, não falta quem lembre: Irmã Dulce viveu para ajudar os pobres. Assim, é condenável contradição gastar dinheiro público para ir à sua canonização. Os gastos oficiais destas caravanas representam desfalques significativos ao mambembe tesouro nacional. O correto seria ter ido com dinheiro próprio. Melhor ainda, se ao invés dos “vôos da alegria” fizessem doaç&am p;ot ilde;es às obras sociais da santificada freira da Bahia .
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br