Refiro-me ao Orçamento respeitosamente: A Magna Carta, primeiro documento escrito, 15/06/1215, limitou o poder absoluto do rei João. Foi uma luta entre opressores, o Rei, o Papa e o Baronato. Motivo: extorsão fiscal. Resultado: início do longo processo histórico na conquista para proteger os cidadãos da voracidade fiscal dos monarcas. Abriu-se o caminho do constitucionalismo. O freio nas malvadezas revelou que o bolso dos contribuintes é a parte mais sensível do corpo humano.
Compreendo a utilidade das gambiarras. Nada têm de nobre. É o “gato”, no furto da energia elétrica. Improvisada, é a rainha do “jeitinho brasileiro” e invencível na capacidade de “quebrar galhos”. A patente é nosso DNA.
Embora funcionais, as gambiarras deviam ter uso estritamente informal. Mas não é assim. Viabiliza grandes e pequenas pilantragens. No público e no privado. Sempre de mão dadas com a esperteza que bota na roda pessoas, políticos e corporações. A notável experiência do Chanceler Otto Von Bismarck, conservador e autoritário, pai da previdência social proclamava: “Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”.
Pois bem, no processo legislativo brasileiro, convivem gambiarras, “Bode na sala” “Jabuti”, bichos que simbolizam interesses subalternos e odiosos privilégios.
Entretanto, o que mais agride é a irresponsabilidade histórica que distorce o orçamento brasileiro. Se não bastasse seu papel protetivo do patrimônio público e privado; se não fossem suficientes os princípios de universalidade, pureza/exclusividade, anualidade etc…; se não fosse o instrumento democrático que traduz em valores financeiros as prioridades coletivas; se não fosse o mecanismo, por excelência distributivo, o orçamento é tudo isto e mais: reflete a transparência e planeja a ação governamental.
Na República Velha, as “caudas” dos orçamentos eram tão longas que Ruy Barbosa chamava-os, ironicamente, “Orçamentos Rabilongos”.
Houve avanços? A sopa de letras – PPA, LDO e LOA – serviu de farta refeição dos “anões”. A LRF e o teto dos gastos vão escapando do sumário fuzilamento. E a rubrica “restos a pagar” (Lei 4320/64), banalizada e corrompida, prenuncia o calote aos credores dos governos. Persiste curioso hibridismo da Lei Orçamentária que é autorizativa, impositiva, com “anualidade retroativa” e o vício ancestral: o senso dos interesses supera o senso dos compromissos.
Finalmente, cabe enfrentar as bem-intencionadas gambiarras: vinculações obrigatórias que asseguram perenidade às prioridades circunstanciais. O que resolve problema não é o volume, mas a qualidade do gasto. Saúde e Educação são péssimos exemplos.
Atenção: vem aí um salsichão, a PEC da impunidade.