O maior acidente ambiental no litoral brasileiro parece passar ao largo de nossas consciências. Fotos de manchas de óleo em pelo menos 140 praias do Nordeste, e até na foz do rio São Francisco, são uma pequena amostra do desastre, cujo impacto será sentido por décadas, com danos incalculáveis à economia regional.
Seja qual for a origem – esvaziamento de tanques de navios com petróleo da Venezuela ou mesmo um atentado –, o fato é que o país exibe monumental fragilidade no domínio de seu mar.
O Brasil controla um território marítimo de 3,6 milhões de km2 – área maior do que as Regiões Nordeste, Sudeste e Sul juntas. Nesse espaço (Zona Econômica Exclusiva – ZEE), o país monitora o tráfego de embarcações e tem direito exclusivo de pesquisa e exploração dos recursos da água e do subsolo (petróleo, gás natural, frutos do mar etc.) até uma distância de 370 km ou 200 milhas náuticas.
Aliás, o país pode explorar uma faixa de quase 400 km de largura ao longo dos seus 7.500 km de litoral, tendo exclusividade sobre áreas a até 1.500 km do continente graças a pequenas porções de terra, como o arquipélago de Trindade e Martim Vaz.
O que teria ocorrido com o óleo? Adriano Pires, especialista em petróleo do Centro Brasileiro de Infraestrutura, aventa a possibilidade de vazamento de um navio petroleiro na rota ao longo da costa nordestina. Possivelmente um cargueiro limpando os tanques para carregar óleo novo na Venezuela. Pescadores explicam: o óleo vazado é velho, parece plástico, o novo é oleoso.
O vazamento ocorreu a uma distância entre 40 e 50 km da costa. Se não é possível detectar o que ocorre nesse limite, imagine-se o que ocorrerá caso o Brasil aumente em 2,1 milhões de quilômetros quadrados – equivalente à área da Groenlândia – o tamanho do território nacional no Atlântico. O país pleiteia ampliar nossa ZEE para 4,5 milhões de km2.
Enquanto o governo tenta desvendar o desastre, o que se vê são arremedos de limpeza com gente puxando o óleo viscoso. E métodos mais avançados? Não é o primeiro acidente desse tipo no país. Antes, foram contratadas equipes de outros países. Agora se fala em ajuda dos americanos. Quando virão e o que poderão fazer?
E se foi ação terrorista? Se o óleo vazado for mesmo venezuelano, que medidas o Brasil tomará contra o vizinho, o contratante ou o país dono do petroleiro? O momento exige cautela. Que se faça profunda investigação.
Ao sofrido Nordeste, um dos mais belos recantos do país, sobra a desesperança, o sonho transformado em quimera. Não se esperem levas de turistas que até então lotavam o Caribe (ameaçado por furacões). Passarão anos até que nossas praias fiquem limpas.
Até lá, haja discursos e blá-blá-blás de salvadores do Nordeste. A predominarem a resistência e a mentalidade dos responsáveis pela defesa do meio ambiente, a paisagem de devastação, na esteira de incêndios e invasões, se expandirá pelo território.
Mas um fio de esperança brota quando nossa gente, a partir das crianças e dos jovens, passa a enxergar com muita convicção a mãe-natureza como parte indissociável de suas vidas.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político