No alto de sua sabedoria, Ulysses Guimarães respondia “esperem o próximo Congresso” para quem reclamava da baixa qualidade do Parlamento. O velho cacique tinha razão. A cada nova legislatura, sentia-se saudades da antiga. Essa lógica está sendo contrariada pela atual. Ainda é cedo para concluir que a mudança é definitiva, mas é visível sua melhora em relação à anterior, nesses primeiros meses.
Um exemplo disso é o parecer do relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira, produto de um maior protagonismo do Congresso.
Pela primeira vez há a possibilidade real do Parlamento aprovar uma reforma robusta, que, se não é a ideal, aproxima-se da meta do governo de economizar um trilhão de reais nos próximos dez anos. Não deixa de ter razão o economista Marcos Lisboa ao considerar o relatório como “quase um milagre”.
Governos com forte base parlamentar, como os de Fernando Henrique Cardoso ou de Michel Temer, tentaram, mas, por razões diversas, não conseguiram fazer uma reforma previdenciária que fizesse a diferença. O “milagre” acontece agora porque há um bloco reformista no Parlamento, composto por 12 partidos. O parecer do relator expressa o consenso desse campo majoritário, além de e diminuir as resistências à reforma.
O sistema democrático tem seus freios e contrapesos, no qual cada Poder tem sua autonomia, mas é também controlado por outros poderes. A Câmara, sob o comando e liderança do deputado Rodrigo Maia, exerce esse papel ao produzir um parecer de uma PEC de autoria do Executivo, levando em conta não apenas o necessário ajuste fiscal, mas também a proteção aos mais pobres; os aposentados de baixa renda e o aposentado rural.
Esvaziou, portanto, o discurso de sindicalistas e da oposição de acusar a reforma de ser contra os pobres e a favor dos banqueiros.
O Congresso é o fórum adequado – e legítimo – para a mediação de interesses conflitantes. Nele, não basta marcar posições. É preciso saber construir maiorias pela via do entendimento. Isso implica em ceder no secundário para manter o principal, motivo pelo qual alguns privilégios ainda permaneceram intocáveis. O ministro Paulo Guedes parece não entender isso, quando acusa o relatório de ter desfigurado o projeto inicial do governo.
Ainda está para ser explicada a atitude do ministro de, em vez de se postar como um arquiteto da vitória, assumir a condição de derrotado. Sobretudo porque Guedes vinha tendo uma boa interlocução com o universo político e com seu gesto comprometeu uma parceria que poderia dar bons frutos.
Jair Bolsonaro não pode acusar o Congresso de inviabilizar seu governo. Não há pauta bomba, até a oposição está sendo arrastada para o jogo da negociação política, como aconteceu na aprovação da suplementação orçamentária.
O maior protagonismo do Congresso decorre, em grande medida, das limitações do governo. Ou melhor, da sua enorme capacidade de se perder em questiúnculas e de fabricar crises em escala. Em quatro dias, tivemos as demissões do presidente dos Correios, do general Santos Cruz e de Joaquim Levy, todas elas por motivos ideológicos.
A relação entre o Executivo e o Legislativo vem se dando à base das desconfianças mútuas. O avanço do “parlamentarismo branco” é mais um fator de tensão entre os dois poderes. No sistema presidencialista a transferência do protagonismo para o Congresso é uma anomalia.
Para utilizar a linguagem do presidente: casamento algum se sustenta à base da desconfiança. Na maioria das vezes nem mesmo se consuma. E o Congresso percebeu isso antes do presidente.