Não vão derrubar Bolsonaro, mas reeleição mingua (por Helena Chagas)
Vão provavelmente deixá-lo vociferando sozinho
Os meios políticos e a elite econômica aprenderam, em quase dois anos, a não comprar pelo valor de face, e nem levar a sério, as afirmações de Jair Bolsonaro. Já se contam aos milhares os absurdos que saíram da boca presidencial, sob a forma de bravatas, ameaças, preconceitos ou confissões de ignorância. Até hoje, boa parte do establishment preferiu fingir que não escutou. O comportamento desses setores, que não gostam de reconhecer publicamente que apostaram no cavalo errado em 2018, pode ser atribuído a um ambiente que alimentava esperanças e aspirações em relação à prometida agenda de reformas e à condução da economia dentro da cartilha liberal de Paulo Guedes.
Bolsonaro, depois de um período de rápida contenção, está agora novamente desembestado e sem freios. O quadro vai se deteriorando de forma rápida, e com ele as tais esperanças, prenunciando mudanças de atitude. A paralisia do Congresso em meio a disputas políticas do tipo Centrão x Centrão — caso do conflito entre Arthur Lira e Rodrigo Maia em torno do comando da Câmara — vem preocupando muito. Já se sabe que pouca coisa será aprovada este ano, talvez nem o orçamento de 2021 e a PEC emergencial do ajuste fiscal. Reformas, como a administrativa e a tributária, nem pensar.
Do lado do governo, a desarticulação é flagrante. O discurso de Paulo Guedes nos últimos dias vem resvalando para a confissão de sentimentos como frustração — por nada ter sido privatizado, segundo ele por oposição dos políticos — e para uma atitude de se eximir de culpa pelo que não anda. Quem não se entende e vota os projetos é o Congresso.
Só que o Legislativo funciona à base de pressões, e as mais fortes, no presidencialismo à brasileira, são do governo e, nem sempre em sentido oposto, das ruas. A ausência total do presidente da República no debate das medidas que supostamente deveriam ser aprovadas é o complemento de seu discurso sem-noção. O Planalto não coordena nada, e sua articulação política é uma bagunça.
O Centrão bolsonarista pode até evitar um impeachment e outras ações desestabilizadoras no Congresso, mas seu propósito maior é tirar ganhos e vantagens do governo. O grupo não tem ideologia nem projeto — como, aliás, o próprio governo não parece ter projeto consistente para o pós-pandemia, dividido entre os que querem furar o teto e gastar, de olho na reeleição, e os fiscalistas de Guedes. Tudo isso, somado à insegurança dos mercados, ao crescimento do desemprego e à perspectiva de piora na situação após o fim dos pagamentos dos auxílios da pandemia, reforça a sensação de não-governo, que poderá se disseminar na opinião pública e nas ruas. E aí, o que acontece?
Não, os políticos e as elites não vão tirar Bolsonaro da presidência. Dá um trabalho danado, e já estamos quase em 2121. Vão provavelmente deixá-lo vociferando sozinho, enquanto cuidam celeremente da sucessão. O movimento de centro-direita deflagrado por personagens como Sérgio Moro, Luciano Huck e João Dória tem tudo para não resultar numa aliança, mas sinaliza claramente o que esse campo não quer: a reeleição do presidente. Do outro lado, a reconciliação entre o ex-presidente Lula e Ciro Gomes também dificilmente acabará em chapa, mas mostra que a centro-esquerda também entrou em campanha.
É só de 2022 que vamos ouvir falar em 2021. Aliás, antes: a partir de domingo, quando, mal fechadas as urnas, todo mundo entra em modo eleitoral de novo. Bolsonaro e qualquer outro projeto serão empurrados com a barriga até lá.